terça-feira, 11 de junho de 2019

A loira da matão


          

          A LOIRA DA MATÃO    

 

 

            Recém-chegado ao Município de Nova Londrina, noroeste do Estado do Paraná – minha cidade natal – eu fiquei boquiaberto e curioso com o boato que corria de boca a boca: A loira fez mais uma vítima! Coitado do caminhoneiro!
          A notícia percorreu a região, sangrou fronteiras, ganhou repercussão nacional. Todo mundo queria saber: Quem foi dessa vez? Um falava: - Foi o Tamba do l3l3. Outro: - Foi o Caolho Caçambeiro. E muitos diziam: - “FOI O JAPA, CARRETEIRO; O NEGÃO, DO TANQUEIRO. ENFIM, NINGUÉM SABIA AO CERTO”.

          O incrível era, que, de jovens a velhos, todos comentavam alguma história sobre a “Loira da Matão”. Comecei então a bisbilhotar o caso. Tornei-me um caçador dessa história. Levei alguns apetrechos importantes para registrar minhas entrevistas, tais como: um gravadorzinho de bolso, agenda e caneta.

          Durante, aproximadamente, três meses, investiguei, conversando com os moradores da Fazenda Matão, circunvizinhos, trabalhadores rurais e muitos caminhoneiros.

          Muita gente foi enfática a me afirmar que essa história não passava de fofoca, de boato mesmo, de história de caminhoneiro. Que era uma lenda. Por outro lado, um batalhão de caminhoneiro, alguns moradores, donos e funcionários de pequenas empresas – localizadas nas proximidades do local do medo – chegaram a me jurar de pés juntos, que, há mais de cinquenta anos a loira vem aparecendo, assombrando, perseguindo e aniquilando não só caminhoneiros, mas, também ciclistas, motoqueiros, moradores e transeuntes. Diziam que a maioria das vítimas tem vergonha de se expor, por “razões que a própria razão desconhece. ” A lei do silêncio impera por algum mistério... Que, muitos acidentes estranhos e inexplicáveis já aconteceram naquele trecho, onde “ela” aparece e pede carona. Que, muitos religiosos de várias crenças realizam ali, missas, cultos, passes espirituais e benzimentos. Que, o fato é assustador, sobrenatural, do outro mundo mesmo.

Como se montasse um quebra-cabeça, eu juntei algumas peças e desvendei a seguinte história:

          Na década de sessenta, um rico senhor americano comprou uma propriedade fazendo divisa com a Fazenda Matão, município de Loanda– Estado do Paraná. Com sua família veio morar nela. Tinha uma bela filha de dezessete anos: loira, cheia de charme e muito mística. Algum tempo depois, ela conheceu um rapaz, o verdadeiro amor de sua vida. Namoraram, noivaram, e marcaram a data do casamento. Casaram-se num sábado. Dia de sol e de muita colheita... fizeram a festa de matrimônio mais bela e requintada de que se tem conhecimento por aquelas redondezas, até hoje. Depois dos comes e bebes, partiram, no instante do adeus do astro-rei, felizes, repletos de amor, cúmplices da paixão, e seguiram rumo ao doce sabor do sonho da lua-de-mel.

          Ao sair da estrada vicinal, entrando na rodovia BR-376, no meio da Fazenda Matão, o carro quebrou. Alguém parou para ajudá-los. Ofereceu ajuda e, sem nenhum motivo, com uma chave de fenda em punho, desferiu um golpe certeiro no peito do noivo, que caiu morto. A garota, ainda vestida de noiva, saiu correndo gritando, pedindo socorro, desesperadamente, mas, foi tudo em vão. O assassino, ao alcançá-la, imobilizou-a com um golpe de jiu-jítsu, e, ao amordaçá-la com algodão, cometeu o mais bárbaro crime contra uma pessoa indefesa, estuprando a garota covardemente. Não resistindo à brutal violência animalesca, naquele local, faleceu. O maníaco eviscerado, friamente, como se nada tivesse acontecido, juntou os corpos, e os enterrou numa vala, trezentos metros mata adentro; desapareceu com o veículo dos noivos e sumiu, não deixando pistas.

          Muito tempo depois, ao ser descoberta a sepultura do casal, e constatado através de autópsia, o crime hediondo, o pai da noiva ofereceu, em recompensa, uma fortuna em dinheiro para quem lhe trouxesse a cabeça do monstro homicida vivo ou morto. Mas, até hoje ninguém, nem a polícia, o prendeu.

          A partir desse crime trágico, a aparição da “Loira da Matão” tem sido uma constante e um pesadelo assombroso em toda a região do noroeste paranaense.

          Depois que se espalhou o boato sobre a aparição da “LOIRA FANTASMA”, a um caminhoneiro, naquele trecho, num certo dia à noite, muitos caminhoneiros não trafegam mais por ali ao anoitecer.

          Por isso, ela ficou cognominada: “A LOIRA FANTASMA DOS CAMINHONEIROS”. O que não a impediu de aparecer para inúmeras pessoas.

 

Relato de um caminhoneiro

 

          Um caminhoneiro, que pediu para não ser identificado, jurou-me, por tudo o que havia de mais sagrado, tê-la encontrado duas vezes, numa mesma noite. Já tinha ouvido falar dela antes, porém, achava tudo uma lorota, uma balela, conversa fiada; não cria na sua existência. Achava que era pura invenção do povo que não tinha o que fazer que, inventava aquilo para amedrontar os caminhoneiros e os furtadores de laranja à beira da estrada. Era um homem cético nesses assuntos sobrenaturais. Acreditava que quem morria não voltava para perturbar ninguém. Mas que, se, hoje, lhe falarem que um cachorro fala, um papagaio pensa e um elefante toca piano, ele já não duvida de mais nada.

 

E contou-me a seguinte história:


          - Certo dia, eu peguei um frete – uma pequena mudança de Marilena a Paranavaí. Entre nove e dez horas da noite, justamente no trecho do pavor, no quilômetro cinquenta e quatro, um pneu do caminhão furou. Era sábado, noite de lua cheia... Bonita. Parei no acostamento e desci. Ao pôr os meus pés no chão, eu senti algo estranho, um arrepio esquisito. Olhei instantaneamente à mata que roncava em sono profundo. O barulho dos bichos noturnos e o chirriar da coruja ressoavam em eco de encanto, espanto e magia. A escuridão penetrava, furiosamente, o coração da relva virgem. Nunca tinha sentido medo de coisa alguma, no entanto, naquele momento, fiquei transfigurado, paralisado, congelado até a alma.

          Ao perceber, por entre as folhagens um vulto que vagarosamente surgia e ressurgia do nada. Seu espírito ia se materializando... Seus olhos eram tristes, porém verdes e encantadores. Seu rosto, meigo como o de um anjo. Seus cabelos, longos e cor-de-mel. De seu corpo umedecido, escultural, torneado como o de uma musa inspiradora, pingavam gotículas de orvalho. No emaranhado de cipós deslizava-se como uma pantera e vinha ao meu encontro iradamente. Senti-me colado ao chão, fui tomado por uma síncope descomunal. Estático, não pude nem correr, nem gritar. O instante de perigo foi mágico! Engoli a voz, fiquei com os olhos esbugalhados. Meu subconsciente me revelou de supetão: “É a Loira da Matão!”. Senti instintivamente que “ela” ia me pegar, e, sem titubear, apelei urgentemente para o meu santo protetor, São Cristóvão. Supliquei-lhe e implorei-lhe por socorro... Fiquei aliviado e maravilhado quando voltei em mim e percebi que tinha sido protegido por ele, quando vi aquela alma vagante sumir como um raio mata adentro.

            Recuperado do susto, troquei o pneu e pus o pé na estrada. Restabelecido, comecei a cantarolar músicas sertanejas... Já havia andado mais ou menos uns cinco quilômetros, quando, de repente, parei de cantar e pensei: “Aquilo foi uma miragem, um sonho, um devaneio. Afinal, estou cansado, sem dormir desde ontem, vida de caminhoneiro não é fácil! A gente começa a ver coisas estranhas. Até fantasma aparece! ”convenci-me que tinha cochilado... sonhado, tido uma alucinação, sei lá! Coisas da insônia... quem sabe? ”.

            Repentinamente, olhei na estrada e vi uma linda mulher, loira, linda, daquelas de arrepiar até a alma! Acenava e me pedia carona. Como bom cristão que sou, diminui a velocidade do meu “garanhão”, pensei em parar e levá-la. Mas, ao me aproximar, lembrei-me da miragem, do pesadelo, daquela coisa que tinha visto minutos antes, e, ainda meio confuso, traumatizado, pisei fundo no acelerador e saí na disparada... Juro que me esqueci nesse momento o meu lado caridoso. Nervoso, liguei o rádio, acendi um cigarro e tentei não pensar naquilo.

            Meu caro caçador de história, quase morri de medo, quando olhei à minha direita e vi-a sentada ali, do meu lado, e, sem saber o que fazer – e nem sei como ela entrou – comecei a orar e a rogar para todos os santos. Mas, nada adiantava, ela continuava ali, como quem desejasse se comunicar. Enfurecida, ela começou a se metamorfosear: seus olhos começaram a lampejar; de seus ouvidos, nariz e boca brotavam algodão, muito algodão ensanguentado; de seu corpo em erupção jorrava sangue por toda parte e exalava um odor, um mau cheiro insuportável... Aos poucos foi se decompondo... Era coisa d’outro mundo, cara! Eu fiquei desesperado, perdi o controle do caminhão que no asfalto derrapava num e noutro acostamento, num ziguezague... Eu vi a morte sentada ao meu lado, fiquei frente a frente com a feiura da morte. Nunca vi nada tão horroroso em toda a minha vida. Sentindo que eu ia morrer, vendo a morte de perto sentada ao meu lado, comecei a orar e a clamar por Deus, em nome de Jesus Cristo Nosso Senhor, dizendo: Salve-me, senhor! Salve-me, senhor! Sangue de Cristo tem poder! Perdoa os meus pecados! Eu acredito! Eu acredito em Deus!...

            E, o bicho, transfigurado, como “fênix”, ressurgiu daquela coisa gosmenta, olhou pra mim, como quem me dissesse por telepatia: Estou decepcionada. E, imediatamente, voou pela boleia do caminhão, esvoaçante e, misteriosamente, desapareceu na escuridão.


          Depois, segui minha viagem e confesso que, por ali, naquele trecho do medo, não passo ao anoitecer de jeito nenhum, nem que me pague uma fazenda de café, um caminhão de dinheiro, porque o bicho é feio, fede como gambá e é assustador... Deus que me livre!... Ninguém merece se deparar com aquela coisa doutro mundo.

 

O Motoqueiro

 

            Eu mesmo fui testemunha ocular de um momento atípico, inexplicável, e, até cômico, engraçado: Enquanto eu entrevistava um borracheiro, por volta das dezoito horas daquele sábado, surgiu como um furacão um motoqueiro e a sua acompanhante, ambos estavam de cabelos em pé, trêmulos, com os olhos arregalados e assombrados... Não conseguiam pronunciar uma palavra corretamente. Somente alguns instantes depois a mulher parecendo um espantalho, disse:

            - Há uns dois quilômetros atrás fomos perseguidos por um ser estranho, que flutuava ao nosso lado, e quanto mais o Caju pisava, corria com a moto, mais o vulto nos acompanhava e nos seguia como um fogo esvoaçante. Nunca vi nada igual em toda a minha vida. Pensei que fosse morrer!

            O motoqueiro, sem graça – um negão de quase dois metros de altura – recompôs a voz, e disse para o borracheiro:

            - Cara, eu tô todo borrado, tô podre... Cagado mesmo! O que era aquilo pelo amor de Deus! Jesus Cristo! Nunca tinha visto uma assombração em toda a minha vida. Pensava que isso era coisa de filme de ficção, sei lá!     

 Desengonçado, cabisbaixo e resmungando muito, acrescentou, dizendo:

            - Confesso, sou medroso pra caramba. Tô muito envergonhado. Mas preciso do seu banheiro para me limpar.        

             Depois do banho, agradeceu... “E, com a sua garota seguiram para o bailão em Loanda”.

            O velho borracheiro, assim que o motoqueiro deitou o cabelo, me disse:     

            - Essa Loira já deu muito que falar, eu já ouvi cada história sobre ela que até Deus duvida! Mas, eu nunca tinha me deparado com um fato em que eu fizesse parte da história dela... Eu me sinto neste momento um figurante. Mas, que o cara se defecou todo, ah, isso defecou!

            O borracheiro riu muito... E, eu também.

 

Direitos autorais:

Fernandes, Osmar Soares, 1961,

A LOIRA DA MATÃO,

OSMAR SOARES FERNANDES,

São Paulo / Scortecci, 1ª edição: 1999, pág. 9 - 12

 (JS2708-1000072011999)

 

 





segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O dançarino da Asa Delta - autor - prof. Osmar Fernandes

Conto baseado em fato real... Uma história estonteante. Leia e deixe seu comentário!!!

O autor: Prof. Osmar Fernandes. "Respeite o direito autoral!".








O anjo loiro: Professor Osmar Fernandes, Em 08/03/2009; Código do texto: T1475023


O anjo loiro


          Em Santana do Sul, cidadezinha do interior, o mundo parecia ter parado ali. A base de sua economia provinha da agricultura. De pouco comércio, fábricas de fundo de quintal, de pouco mais de l.500 (um mil e quinhentos) habitantes – a maioria morando na zona rural – vida pacata. Conhecida como a cidade dos aposentados (de salário mínimo). Na zona urbana quase todo mundo era funcionário público. Da região do vale da boca de fogo era a esquecida. Morava ali muita moça bonita e quase nenhum rapaz.
          A única escola de ensino médio estava condenada a fechar, devido a pouca frequência. Só havia alunas. Os alunos nessa idade mudavam-se, iam embora em busca de trabalho e cursos técnicos em outras cidades.
          Com o passar dos anos essa situação agravou-se, criou um problema social, emocional e familiar. Os velhos estavam morrendo; a taxa de natalidade quase foi extinta – percentual quase zero. Era um nascimento esporádico a cada cinco ou seis anos. O desespero das moças virgens, das titias, era de dar dó, de  se ficar embasbacado.
          Santana do Sul estava virando um deserto, uma cidade tipicamente fantasma, assombrada, esquecida num canto sem importância, no meio do nada, do mapa do mundo. Viam-se velhos aposentados papeando e ou jogando baralho nas praças públicas e nada mais.
          A bela moça donzela já não passeava... Não tinha lá fora um olhar que atraísse sua atenção, seu desejo, tudo era muito quieto demais. O silêncio invadia o desespero de sua alma. Não havia juventude, tudo era velho em demasia, não havia animação, nem vida, nem prazer.
          Era a cidade dos esquecidos. A única esperança era tornar-se maior de idade e fugir de casa. Coisa que uma ou outra se atrevia pôr em prática no ápice da desilusão.
          Certo dia, Edviges, moça pura, que nunca desejou ser freira, recebeu um aviso em sonhos de sua amiga do peito, Isabela Caputte, dizendo que estava muito doente, que ardia em febre, que ia morrer. Diferente dela, Caputte sempre foi mais extrovertida, e tinha idéias avançadas para o seu tempo. Edviges, aflita, como se ouvisse os clamores da colega por telepatia, num pestanejar, sentindo algo estranho, um calafrio, resolveu visitar a amiga pessoalmente.
          Quando já estava no portão de sua casa, dona Marcelina, sua mãe, conversava com dona Sofia Geara – senhora rígida aos moldes dos tempos idos – muito conceituada. Dona Marcelina, vendo a filha meio abatida, chamou-lhe a atenção, dizendo: - Onde vai a essa hora Edviges? Já é muito tarde para moça de família sair. No meu tempo, a essa hora eu já estava no último sono. Edviges respondeu à mãe: - Vou à casa de Isabela, mãe. Ela anda doente, está ardendo em febre.  Não se preocupe, nem espere por mim. Vou passar a noite lá, mas, volto a tempo de ir para o colégio, tá?
          Sua mãe advertiu-lhe, dizendo:- Edviges, minha filha, chame seu pai para acompanhá-la. Está muito tarde para ir só. Moça que anda na rua a esta hora sozinha, fica mal falada, cai na boca maldita do povo. Dona Sofia Geara, ouvindo aquela conversa entre mãe e filha, intrometeu-se, dizendo:- Sua mãe tem razão. É muito perigoso andar sozinha, já é tarde.  Pode encontrar um louco na rua ou um tarado... Deus me livre! A gente nunca sabe o que há por detrás da cortina da noite, minha filha, cuidado!
          Edviges, morrendo de tanto rir, disse:- Dona Sofia, pelo amor de Deus! Desse jeito a senhora ainda me mata de tanto rir. Nesta cidade nunca acontece nada, parece cidade dos mortos vivos... Nunca ouvi dizer que alguém foi atacado por aqui.
          Dona Marcelina, rindo junto com dona Sofia, disse à filha:- Vá com Deus, minha filha! Não se esqueça que amanhã você tem prova. Volte bem cedinho, a mamãe vai lhe preparar aquele café colonial.
          Edviges, partiu, e quando estava a cinquenta  metros do cemitério, ouviu um elogio sair de uma voz  melodiosa, dizendo:- Das donzelas és a mais bela... "Todo gosto é gostoso, se eu gosto, eu desejo, mas, se o desejo, não vejo, sei que é pecado".
          Ela ficou enlouquecida e enfeitiçada. Nunca havia sido paquerada, sentiu-se “poderosa”, e correu o olhar para descobrir quem era o dono daquela voz que parecia tão jovem. Continuou a caminhar, agora, a passos lentos, faceira, quando, na esquina, através da penumbra da luz da lua, deparou-se com um belo rapaz de cabelos louros encaracolados. Foi encanto de moça donzela à primeira vista, suspirou, profundamente, não acreditando no que via, e quase desmaiou. Sussurrou, maravilhadamente, e disse: -Quem é você? Nunca lhe vi por aqui. É parente de quem ? O rapaz nada respondeu, hipnotizando-a, e, dominando-a, beijou-lhe a boca. Foi o primeiro beijo de Edviges. Ela ficou estonteante, esvoaçou pelas nuvens. Ele a levou mais adiante, e, no meio do mundo, no ninho da vida, deitou-a, amou-a, voluptuosamente, como um verdadeiro amante.
           Às dez horas da manhã, assustada, com o sol em seu rosto, despertou de seu sono profundo, viu-se nua, e seu subconsciente lhe confidenciou: “Foi sonho, devaneio ou foi real?” Meu Deus! O que me aconteceu?
           De repente, ao se vestir, sentiu algo estranho. Seu corpo estava leve como uma pluma, algo estava diferente, não sabia discernir o que era. Sentiu um perfume exalar à sua volta. O aroma estava impregnado no seu corpo. Confusa, voltou à sua casa, e lá chegando, ficou surpresa, deu de cara com muita gente, e sua mãe, chorando e desalentada, disse-lhe: - Minha filha, pelo amor de Deus! Onde você estava, até agora? Quase morri de tanta preocupação. Todo mundo estava à sua procura.  Seu pai está  de cama por sua causa. Onde você dormiu? Que cheiro é esse?
          Edviges, nada respondeu, como se estivesse em transe. Foi para o quarto e enquanto subia os degraus, dona Célia, a fofoqueira, logo observou que a ponta do seu vestido estava manchada de sangue, e foi logo dizendo ao pé do ouvido de outra linguaruda:- Vê, Efigênia, o vestido dela está melado de sangue. Tenho certeza como tem Deus no céu, que andou de safadeza por aí com algum velho.
          Efigênia, sem papas na língua, foi logo soltando o seu veneno: - Que velho sem-vergonha deflorou a “bichinha”, inocente, caipira? Essas moças de hoje em dia são tão bobinhas, caem na conversa de qualquer um, não é mulher? Será que não foi o seu velho? Andam dizendo por aí que você “não dá mais no coro”, é verdade? Ainda dizem, que ele está soltando fogo pelas “ventas”, tá cheio de energia, sentindo-se um garotão de quarenta. Será que foi seu velho, comadre?!
          Dona Célia, pega de surpresa, pois achava que ninguém sabia de sua vida íntima, dos seus segredos, disparou, dizendo: - Se ele fez uma coisa dessas comigo, mato esse desgraçado, mas, primeiro, capo o infeliz. Depois eu o amarro de cabeça pra baixo, e fico assistindo sua agonia até morrer.  Ele sabe que sou assim. Não admito traição. Já tenho mais de setenta, e ele também.  Não “brincamos” dessas coisas há muito tempo. Ah, se ele fez isso!
          Dona Célia, deu uma pausa, pensou, e disse:- Pensando bem, creio que você está enganada, pois fiquei sabendo que o seu Bartô não dormiu em casa essa noite passada, comadre, onde ele estava?
          Comadre Efigênia, meio sem graça, coçou a longa cabeleira – verdadeiro “fuá”– e disse:- Credo, mulher!... Não fale uma coisa dessas do meu santo, não! Ele foi só jogar cartas com os outros. O vício desses nossos homens é jogar a porcaria do “truco”.  Passam horas, noites adentro no baralho, e você sabe disso. Não sabe?
          Dona Célia, categoricamente, disse: - É, comadre, "pimenta nos olhos dos outros é refresco!". Santo, nenhum homem é. Em se tratando de “rabo de saia”– ainda mais, novinha - todo homem quer; é sem-vergonha. Já viu falar o ditado que “bode velho baba por uma cabritinha nova?”. Pois é...  O meu, hoje, não é mais aquele garanhão da mocidade. Traía-me com qualquer vagabunda. Era fissurado numa “mocinha”. Não aguentava ver uma e, dizia que aquilo tinha cheiro de vida. Até que um dia eu lhe dei uma surra daquelas, quase o matei, e lhe prometi, por todos os santos do céu, que, se um dia me traísse de novo, não o perdoaria. Logo, comadre, é bom averiguar essa história de baralho, to sentindo que aí tem coisa das "brabas". Tem macaca nova no galho!!!
          Dona Efigênia arregalou seus olhos grandes e negros, amarelou, e disse balbuciando: - Ah, meu Deus! Será que foi ele? Ela foi desfalecendo... E, dona Célia preocupada, começou a abanar sua comadre, e dizia-lhe que era brincadeirinha, imaginação fértil, que era uma lorota. Bobagem... A amiga, aos poucos, foi se restabelecendo e zarpou.
          A mãe de Edviges, que num cantinho imperceptível ouvira aqueles mexericos, dizia a si mesma: Isso não pode ter acontecido com a minha filha... Se algum velho safado fez isso, eu mato.
          Quando dona Marcelina foi ter com a filha, a porta do quarto estava fechada, só se podia ouvir o barulho do chuveiro ligado e o choro de Edviges. Sua mãe implorou para que ela abrisse a porta, mas tudo que conseguiu ouvir da filha foi que estava cansada e lhe deixasse em paz.
          No outro dia Edviges desceu cedinho para tomar o café e ir para o colégio. A mãe, ao vê-la, foi logo falando:- Minha filha, onde dormiu à noite passada?  Responde, menina!... Eu estou falando com você?!!!
          Edviges, nada respondeu, permaneceu estranha, como se nada tivesse acontecido. Acendeu um cigarro do pai que estava sobre a mesa, causando mais estranheza na mãe, pois ela não fumava. Vendo a filha se engasgar, pois não sabia tragar, nervosa, falou enfurecida: - Agora fuma também?!  O que está acontecendo com você? Onde passou a noite?
           Naquele momento, como se tivesse sido tele-transportada, simplesmente, apagou o cigarro e, calma, respondeu:- Nada mamãe. Se a senhora quer saber sobre o que aconteceu, eu não sei lhe explicar. Eu só me lembro que estava indo para a casa de Isabela, quando me deparei com uma coisa. Ele avançou em mim e eu caí, devo ter batido com a cabeça numa pedra, e não me lembro de nada... A propósito, papai está melhor?
          Balançando a cabeça, negativamente, desconfiada daquela conversa, resolveu fingir que acreditava na filha, era o melhor a fazer naquela hora, e disse: - Sim, minha filha, seu pai está bem melhor, agora, que você voltou sã e salva. Acho bom você se apressar com o café e ir para a escola, senão vai chegar atrasada. Falei com a professora e ela vai lhe dar uma nova prova. Aliás, não quero que você saia mais à noite sozinha, mais uma dessa, eu e o seu pai não aguentaremos.
          Edviges, sem graça, respondeu à mãe: - Eu sei, mamãe, não se preocupe, isso não vai mais se repetir. O que Edviges não sabia, era que a cidade inteira estava comentando, maldosamente, sobre a sua honra. Houve muito tititi sobre aquele episódio.  Ela perdeu muitas amigas por isso.

               (...)

        Já havia passado dois meses e meio desde o acontecido, quando Edviges começou a notar algo estranho em seu corpo. Seus seios estavam maiores e doía, a menstruação atrasada, sentindo enjoos, e muito sono. Quando a mãe descobriu a gravidez da filha resolveu inventar para a sociedade, e até mesmo para o padre, que ela estava gestante de uma coisa d’outro mundo. Que, no dia do seu sumiço, um disco voador aterrissou e alguém se aproveitou da pobrezinha.
          Pouca gente acreditou nessa história. As fofocas aumentaram ainda mais. Acirraram-se as bisbilhotices. Por onde a garota passava era apontada como vadia, e que aquele filho era fruto de um adultério, filho de seu Bartô – o marido de dona Efigênia. O que o levou a ter a fama de “papa-anjo”, de pedófilo, “comedô”. O homem “ficou em papos de aranha” na cidade. Perdera os velhos amigos. Andava triste, cabisbaixo, não era mais o homem alegre de antes. O falatório se encarregou de transformar aquela mentira numa verdade absoluta, e o homem foi condenado, sem ao menos ter a chance de se defender.
          A cidade ficou polvorosa. Os comentários, nas rodinhas de aposentados, eram: “- Como Bartô, naquela idade, havia conseguido tal proeza, embuchar aquela jovenzinha...”.  Isso causou inveja e deixou muitos velhos excitados. Alguns chegaram a se engraçar com as moças mal faladas. Outros chegaram a oferecer todo o seu salário em troca de um carinho mais fervoroso. Foi um “deus nos acuda!” As meninas ficaram aturdidas. Mas, somente a Gaia – a fácil – cedeu, e depenou até o último centavo de meia dúzia de velhinhos desesperados.
          O que os cidadãos de Santana do Sul não sabiam, era que algo de sobrenatural estava acontecendo e desejava as moças daquele lugar. Já era mais de meia noite, quando Isabela Caputte foi despertada por um longo beijo roubado que a enlouquecera de prazer, foi envolvida, tomada e amada, nunca havia sentido nada igual antes. Aquele momento foi mágico, foi lindo. Ao acordar não sabia se tinha sido real ou se havia sonhado mesmo.
          O moço enfeitiçava todas as mulheres. Ele se transformava no homem dos sonhos de cada uma, por isso, era irresistível. Sabia como e quando devia aparecer e tocá-las, possuí-las. Nem uma resistia aos seus encantos.
          Isabela foi amada numa noite de magia, prazeres e mistérios. Ao acordar descobriu que tinha sido deflorada pelo homem de seus sonhos. Chorou, depois pensou: “provei o gosto gostoso do pecado...”. Em seguida, sorriu, e pensou novamente: “Quem me fez mulher? Quem?”.
          Passado algum tempo, ela começou a sentir os sintomas da gravidez. Foi então que resolveu contar tudo à sua amiga, Mariana: -  Pimentinha, tô frita!
          Morrendo de curiosidade, disse: -  Conta logo!... Isabela Caputte, meio sem graça, contou sua história advertindo: - Então ouça e não me interrompa.  Há um mês estava no meu quarto dormindo, quando fui despertada por um longo beijo roubado, fazendo-me ficar sem forças. Aquele era o homem dos meus sonhos. Fascinou-me, seduziu-me, e, então, fui tocada, não resisti e me entreguei de corpo, alma e mente. Foi eletrizante.  Foi um anjo que caiu em minha cama e tomou posse de mim. Hoje, tenho certeza que estou esperando um filho dele, tenho os mesmos sintomas que Edviges dizia sentir no início de sua gestação.
          Mariana teve uma crise de risos e disse à amiga: - Conta outra, Isabela... Tá bom!  Quase acreditei nessa sua história Shakespeariana. Mas, por favor, tenha a santa paciência! Um rapaz lindo, aqui em Santana do Sul, e, ainda por cima, com tal poder de sedução?! Você está inventando isso para não ficar falada também, não é?  Foi o mesmo velho tarado – seu Bartô – não foi? Agora, não adianta guardar segredo. Todo mundo vai saber. Se o filho é dele, o velhinho é porreta mesmo! Até que enfim, um homem está resolvendo os problemas das moças deste lugar nojento, deste fim do mundo! Agora, você está arrependida, e vem com uma história bonita dessa?
          Isabela começou a chorar, e disse: - Sabia que você não ia acreditar em mim. Tudo o que disse é verdade, mas, acho que você está certa, em parte: este homem é um mistério. Será um anjo mesmo ou um demônio?!!!
          Mariana, vendo a preocupação da amiga, percebeu que aquilo não era uma brincadeira; que falava sério. Resolveu investigar melhor àquela história, e perguntou: - Como assim, um mistério?  Você perdeu a sua virgindade e engravidou de uma pessoa, e não sabe nem quem é?
          Isabela começou a explicar à amiga:- Ele é uma espécie de zumbi, entende? Um cara lindo, mas, estranho. É o que me leva a acreditar que ele não é daqui.  Sua juventude e seu vigor físico é deslumbrante.  Seu rosto de anjo, e, principalmente, sua voz, inconfundível... E àquele perfume... É o mais aromático que já senti em toda a minha vida. Meu corpo ainda tem o cheiro dele. É um homem irresistível. Não tem nada a ver com o coitado do seu Bartô. Aquele velhinho não faz mal nem para uma mosca morta... Aquele Anjo Loiro é o homem do meu sonho.
          Foi aí que Mariana ligou os fatos sobre o que havia acontecido com Edviges, e foi dizendo: - Esse perfume do qual você está me falando é o mesmo que a Edviges me disse ter sentido também. Eu bem que desconfiei daquela história absurda de ter sido engravidada por um “ET” conforme a mãe  dela disse.  Desconfiei também dos boatos de que teria sido o pobre daquele velho.  Por mais desesperada que esteja uma de nós, é impossível sentir tesão por um velho gagá, babão daquele! Perdoa-me, amiga! Vou desvendar esse mistério, custe o que custar!
           Mariana deu com a boca no mundo, salvou o casamento do seu Bartô – que voltou a conviver em paz com a sua esposa e com os amigos.  Mas ela deixou a cidade em pé de guerra, assombrada, com a notícia de que um bonitão atacava as virgens, as ninfetas e as mulheres bonitas e mal-amadas. Foi como se tivesse jogado uma bomba no coração de cada família e quebrado certos tabus.
Depois que a notícia ganhou repercussão regional, teve moça que deixava a janela do quarto aberto, na esperança de ser amada pelo famoso “bonitão”.  Os comentários eram tão fortes, que até algumas senhoras casadas – mal-amadas, aderiram à ideia também.
          A cada dia, sempre depois da meia noite, ele fazia mais uma vítima. Nem mesmo a neta do delegado escapou de sua sedução. Foi paixão ao primeiro toque de amor. Como um anjo, desposou-a carinhosamente... Pedrina contava sem rodeios que tinha sido tocada por ele como sonhava, como lia nas fotonovelas... Dizia: “Foi romântico, foi lindo, foi eterno... Ele é o meu anjo loiro”. Engravidou também.
          O falatório deu “corda” aos desejos insaciáveis. Foi então que o delegado resolveu caçar O ANJO LOIRO – vigiando as janelas. Fazia rondas cada vez mais modernas, utilizando-se de tecnologia avançada que dispunha, ou a que conseguia através da Secretaria de Justiça do seu Estado. Mas, nada conseguia detectá-lo. O homem tinha um pacto com as forças do além. Nunca visitava a mesma amada duas vezes. O homem era um procriador.  A pergunta era: De quem? Por quê?
          Havia se passado seis meses e a polícia não o identificou. O tempo foi se passando, e “O Anjo Loiro” foi conquistando simpatizantes. Já havia gente que desejava que ele possuísse a sua filha para ter netos e ver a continuidade de sua geração. As janelas abertas de famílias tradicionais denunciavam o sinal de aprovação. Muitos velhos assinaram um documento exigindo que o delegado abandonasse o caso, que deixasse o homem encantado em paz, que pudesse aparecer livremente e sem medo, mostrasse a sua face.
          Quando nasceu o primeiro bebê, lindo e fofo, a polícia parou de caçar o Anjo Loiro... O povo pedia e rezava para que a sua filha fosse a próxima escolhida. Aquela criança deu vida e esperança à população daquele lugar esquecido do mundo. Aos poucos, foi nascendo uma após outra, e o crescimento daquela cidade foi inevitável. O perfil das crianças era de acordo com o sonho das possuídas.
          Após alguns anos, os meninos loiros, morenos, negros, japoneses e de todas as raças e sonhos, povoaram aquele lugar que dantes estava condenado a desaparecer do mapa. Eram muitos, e a cidade ganhou cara e vida nova. Seu número de habitantes passava de sete mil, e todos eram parentes.  Tornaram-se patriotas a tal ponto que nasciam e morriam ali, sem ter vontade ao menos de conhecer outro lugar. Ali era o paraíso do mundo. As mulheres responsáveis por essa geração eram idolatradas pelos seus descendentes.
          Muitas moças e mulheres de outras localidades iam aos bailes e às festas na cidade dos meninos belos: Os filhos do Anjo Loiro – atraídas pela beleza e a fama do vigor físico que tinham.  As moças que apareciam lá, logo ficavam apaixonadas. Namoravam, noivavam e se casavam. Os filhos dessa geração eram criaturas abençoadas.
          O Anjo Loiro, satisfeito com a sua criação, resolveu confidenciar o seu segredo para o seu verdadeiro amor, dizendo:- Sou um espírito de luz. Tudo o que fiz foi por amor a este lugar que estava condenado a desaparecer. Sou a semente da vida...  Lá de cima, senti o seu fim. Foi-me dada à missão de povoá-lo. De acordo com o sonho de cada mulher renascia a minha esperança... Por isso eu me transformei de acordo com o homem que cada uma queria. Mas, eu me apaixonei por você. Pedi para o meu superior, para que eu me reencarnasse e pudesse viver como um ser humano e me casasse contigo. Somente você, Edviges, sabe disso. Ninguém nem desconfia que sou o pai dessa enorme geração. Sou um homem feliz por ser o progenitor de tantos sonhos e poder ter salvo esta cidade. Todavia estou mais feliz por ter encontrado o meu amor. Fui um sonho real para muitas, porém, vivo a minha realidade...  Você é, foi e será o meu sonho vivo eternamente, te amo!

          Edviges sorriu feliz da vida e pode entender o seu destino finalmente... Deu-lhe um beijo fogoso e o amor tomou conta daquele ambiente.
Professor Osmar Fernandes, Em 08/03/2009; Código do texto: T1475023

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A lei da sobrevivência: Professor Osmar Fernandes, Em 22/10/2010; Código do texto: T2571137







         O rato visitou minha pia e fez grande estrago... O papagaio assistia a tudo, e gritou, desesperado: “Quando o gato sai de casa o rato faz a festa!”. Nessa hora, o gato chegou sorrateiramente e viu o rato saindo de fininho rumo ao seu esconderijo... Era a busca da caça para matar a fome.
          Noutro canto, a barata assustada, vigiava atentamente a aranha... É a lei da sobrevivência... Cada bicho busca matar a sua fome. O mosquito deu mole e caiu brutalmente na teia, e a dona da arapuca pôde, enfim, dar um tempo à dona barata.
          Toda noite é assim, é a lei do mais forte e a ousadia dos mais espertos. Felinos, artrópodes, ratos, papagaios e insetos e todos os demais animais do reino buscam a sua próxima vítima... É o instinto do reino.
          O pior dos animas é o homem que mata para roubar, mata por ódio, mata por inveja, mata por ambição; mata por tantas bobagens... Obviamente, que, se fizesse jus ao seu esplendor diferencial não mataria, nem roubaria, nem seria o bicho mais feroz de todas as raças, pois, é raça inteligente; e, além de cometer todo tipo de atrocidade, destrói a natureza e o planeta que Deus fez.


Professor Osmar Fernandes
Em 22/10/2010
Código do texto: T2571137
Classificação de conteúdo: seguro



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domingo, 19 de fevereiro de 2017

Saco de esmola: Professor Osmar Fernandes, em 14/03/2009; Código do texto: T1485586


Saco de esmola



         Em cidadezinha do interior todo mundo conhece todo mundo. Tem suas peculiaridades, seus artistas, seus loucos. Tem o bobo, o doido, o jornaleiro, o intelectual, o bêbado cômico, o mendigo, o mentiroso, enfim. Pelo latido do cachorro se conhece o dono.
          Na cidade de Garganta Teimosa, Tonho Titica, o pedinte amado por uns e odiado por outros, chegou bem cedo no boteco do seu velho amigo de infância, Zé Capeta - dono do bar dos cachaceiros - adentrou o estabelecimento, alegre, e foi logo dizendo:
          - Bom dia, Zé Capeta! Posso deixar o meu “saco de esmola” ali, naquele cantinho esquecido? Vou lá no posto de saúde buscar um remédio e volto já, já.
          Zé Capeta sisudo, cara de fome, bigodudo, respondeu-lhe:
          - Se você for num pé e voltar noutro, pode sim. Mas, tem que ser ligeiro! Minha clientela chega cedo, e... Bem, vá logo, e não demore.
          Mas, o infeliz, tentando atravessar a rua, foi atropelado por um jerico, que, andava à solta... E foi imediatamente, hospitalizado. Lá, permaneceu por três dias.
          Tonho Titica, ao receber alta médica, foi correndo buscar o seu “saco de esmola”.
          Ao chegar no boteco, deu por falta do saco... O cantinho estava vazio. Desesperado, gritou para o dono do boteco:
          - Por Deus, Zé Capeta, cadê o meu saco?!
          O Zé que já não se lembrava mais do saco, respondeu na bucha:
          - Sei lá do seu saco, Tonho Titica!
         Mas, como tinha memória de elefante, recobrou as idéias, e disse:
          - Sei lá daquela porcaria! Eu bem que lhe avisei que fosse num pé e voltasse noutro. Não foi? Agora, depois de três dias, você me aparece e quer que eu lhe dê conta do saco! Ta brincando comigo, né?!
          O mendigo levou as mãos à cabeça, e disse:
          - Você não pode falar assim do meu saco! É tudo o que eu tenho na vida... É a minha herança, meu tesouro.
          O mendigo, triste, baixou a cabeça, pensou... E falou:
          - Ta vendo aquela fazenda, ali, é de João, tem muitos alqueires e milhares de bois. O que ela vale para você?
          Zé, indignado, respondeu na lata:
          - P’ra mim não vale nada! Por quê?!
          O mendigo olhando bem no fundo dos olhos do amigo, disse:
          - Pois é, mas para o João vale muito, é tudo o que ele tem na vida.
         E, ao ver um carro novo passando, insistiu:
         - Ta vendo aquele carro lá, é do Pedro, é carro do ano, novo. O que ele vale p’ra você?
         Zé Capeta, meio irritado, respondeu-lhe:
         - Nada! Nada! Nada! Que pergunta besta é essa?!
         Tonho Titica emocionado, disse-lhe:
         - Zé, o meu saco de esmola também não vale nada pra você, mas, pra mim é tudo, é tudo o que me resta na vida. É minha fazenda, meus bois, meu carro zero... É a minha vida, meu tesouro. Pode ser velho, sujo, fedorento, mas é meu... Meu! É meu!! É meu!!!
          Zé Capeta procurou chão nos pés e não achou. Nunca tinha imaginado, pensado numa coisa dessas. Envergonhado diante de sua clientela, disse para o seu amigo de infância:
          - Calma! Vou comprar um saco novinho em folha pra você. Aquele estava mesmo precisando ser trocado. Estava velho demais.
          O mendigo perturbado, disse-lhe:
          - Falei um quilo e você não entendeu uma grama!... Não quero um saco novo; quero o meu! Ta me entendendo?! Olhe bem pra minha boca: o meu!!!
          Zé ficou encabulado diante daquela situação medonha. Percebeu que o mendigo não desistiria nunca do seu saco.
          Tonho Titica ao falar do seu saco, falava com gosto: “É meu!...” Como se estivesse falando de um saco de ouro.
          Então, Zé Capeta resolveu acalmá-lo, e disse-lhe:
          - Está bem! Vou encontrar o seu saco de esmola, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Vá embora e amanhã venha buscar o seu saco; aquilo que você chama de tesouro.
          O mendigo saindo do bar, dizia a si mesmo, resmungando: “Passarei a noite em claro, não vou dormir. Vou fazer promessas para as Treze Almas Benditas e para São Longuinho.”
         Zé Capeta foi em busca do saco de esmola do Tonho Titica. Saiu à caça pelo bar perguntando para os empregados e para todo mundo, se alguém tinha visto ou pego o saco. Mas, ninguém sabia de nada. Foi aí, que, teve uma idéia supimpa... E esperou o mendigo vir buscar o saco conforme combinado.
          No dia seguinte, Zé Capeta ao vê-lo chegar no seu bar abriu um largo sorriso, e disse-lhe:
          - Aqui está o seu saco... Ficamos discutindo e nos esquecemos de procurá-lo direito. Ele estava ali debaixo do balcão. A empregada ao varrer o bar o colocou lá, e nós não o vimos. Enfim, aí está o seu tesouro.
          O mendigo ao pegar o seu saco ficou tão feliz e empolgado, que se esqueceu de dizer muito obrigado ao seu amigo, e foi-se embora, desapareceu, evaporou que ninguém viu.
          Zé Capeta disse aos clientes que assistiram o desenrolar de toda aquela lengalenga:
          - Se todo mundo desse valor nas coisas que tem, como esse mendigo, o mundo seria bem melhor e as pessoas seriam mais felizes. Ninguém iria achar o tempero da vizinha melhor que o seu... A inveja – o dom dos incapazes – seria sepultada para todo o sempre.
          Um dos clientes, curioso que era, perguntou ao Zé Capeta:
         - Mas, como você encontrou o saco do Tonho Titica mesmo?
         Ele respondeu:
         - Ah! Isso eu não conto não, é segredo de Estado. Meu pai sempre me dizia: “Quem rouba um tostão rouba um milhão e a ocasião faz o ladrão!”
   
        
Professor Osmar Fernandes, em 14/03/2009; Código do texto: T1485586

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Pedro Mentira: Professor Osmar Fernandes, em 08/03/2009; Código do texto: T1475030



Pedro Mentira



               Numa cidadezinha do interior de São Paulo, existia um sujeito mentiroso, engraçado e de meia idade. Gostava de inventar lorotas, enganar os outros. Era a mentira em pessoa! Por isso, perdeu seu nome de batismo e foi apelidado pela população de Pedro Mentira.
              Certa vez, ele chegou à Sub-Prefeitura, o pessoal estava tomando o cafezinho da manhã, quando o funcionário de primeiro escalão, Luis Manco perguntou-lhe:
              - Qual a mentira dessa vez Pedro Mentira?
              Pedro Mentira ficou cabisbaixo, triste, e respondeu-lhe:
              - Hoje me recuso a contar uma, estou chateado.
              - Ah!... Conta uma mentirinha, nem que seja bem pequenininha, conta! Só para não perder a força do hábito.
              - Não! Hoje meu coração está de luto.
              - Por quê? O que houve?!
              - Um velho amigo faleceu agora a pouco.
              - Quem?!
              - O mais ilustre dos cidadãos da nossa cidade, o meu compadre e pioneiro, Neném Baiano.
              - Sério? Meu Deus!
              Luis Manco correu para o telefone e avisou o prefeito. Fez-se um alvoroço... Foi decretado luto oficial por três dias, imediatamente. Os funcionários foram dispensados. O comércio baixou as portas. O badalo da Igreja anunciou o acontecido. O povo colocou tarja preta no ombro em sinal de luto. A lamentação tomou conta daquele lugar.
              Luis pegou a família, pôs no seu carro e partiu para o Distrito rumo à casa do falecido. Formou-se um comboio. O ônibus da prefeitura, lotado, partiu pra lá também. Quem não tinha carro ou carona foi do jeito que pôde.
              O Distrito ficava a uns seis quilômetros. A cidade partiu pra lá. O choro tomou conta do comboio.
              Luis Manco, que puxava a fila, ao se aproximar da casa do morto, observou que não havia movimento algum nela.
              O povo do Distrito ficou assustado com tantos carros e visitantes. Luis Manco gritou para o Zitão que estava sentado a beira da porta:
              - Onde é o velório!
              - Sei não sinhô!
              Luis Manco fez a volta e foi até a pracinha, centro do Distrito, e percebeu que os TRUQUEIROS estavam em silêncio, e ao se aproximar, desmaiou... Quando acordou, notou que estava no quarto do Hospital Municipal, e assustado, rodeado de muita gente, gritou:
              - Que aconteceu! Que estou fazendo aqui?!
              Observou dentre a multidão a presença de Pedro Mentira, e irado, gritou:
              - Pedro Mentira, seu desgraçado! Você quase me matou! Por que fez isso?!
               Pedro Mentira meio embananado respondeu-lhe:
              - Ué, você não me pediu para contar uma mentirinha!

                   (Autor – Prof. Osmar Soares Fernandes)

    
Professor Osmar Fernandes, em 08/03/2009; Código do texto: T1475030

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Atestado de óbito: Professor Osmar Fernandes, em 01/08/2009; Código do texto: T1731293




Atestado de óbito




Era fissurado por velório. Todo assunto de defunto e cemitério deixava Ticão fascinado. Nascido e criado no Município de Paixão Dourada, ele morava no distrito do Cintra do Rio Vermelho, nas proximidades do cemitério.  Trabalhava na prefeitura, na Secretaria da Assistência Social. Sua função era assessorar a família enlutada e prestar toda assistência ao funeral.
Era dele o projeto de doação de caixão de defunto popular ao pobre, desempregado e aposentado de baixa renda.
Todo mundo o procurava quando morria um amigo, um vizinho ou um parente pobre.  Por isso, ficou cognominado de “O homem do atestado de óbito”.  Sua simples presença denunciava que a morte rondava por perto.
Muita gente dizia que ele cheirava defunto. Dessa forma, Ticão tornou-se um homem desprezado por muitos, e passou a viver alheio a festas. De certa forma, alheio ao mundo. Sua vida resumia-se em cuidar de velórios e limpar as catacumbas, organizar a documentação de cada morto... Ele sabia tudo sobre cada um: a causa da morte, os parentes, o número de seu túmulo, enfim sabia, tintim por tintim, da vida à morte de cada corpo ali sepultado.
 Não dava bola para o falatório que dizia que ele era o tutor da morte, o homem das mil faces do além; O “sombra” da morte. Enfim, havia muito comentário envolvendo o seu nome. Mas ele não se incomodava. No dia de finados era muito solicitado para indicar aonde estava à catacumba do fulano, do sicrano, e sentia-se feliz com esse serviço. De vez em quando ele dizia, brincando, para um e outro:
- Você vai ser o próximo! Respeite-me para que eu possa cuidar do seu túmulo com carinho.
Muitos respondiam:
- Sai de mim sombra da morte!... Vai gorar outro! Deus que me livre!
Certo dia, depois de uma longa jornada de trabalho, Ticão havia acabado de chegar do cemitério, após lidar com defuntos e sacudiu a terra sagrada dos pés. Deitou-se no divã e tirou um cochilo... De repente, acordou assustado, de cabelo em pé, e sua mãe, vendo-o desfigurado, disse-lhe:
- Ticão, o que foi? Parece que viu um fantasma!
Restabelecido, ele respondeu:
- Mãe, eu tenho que voltar ao cemitério. Corrinha veio no meu sonho e me disse que está vivinha da silva... Que sofreu uma catalepsia. Ela não está morta! Ela está viva!!!
Sua mãe, assustada, disse-lhe:
- Credo Ticão, não brinque com essas coisas, não!  De tanto lidar com essa gente morta, você está ficando louco. Já ta vendo coisa.  Eu, hein! Eu a vi mortinha...  Passei a noite toda velando o seu corpo. Aquela alma partiu dessa para melhor. Pode ter certeza disso.
Mas, Ticão, retirando-se da sala, resolveu seguir a sua intuição e foi de imediato ao cemitério para conferir... Ao chegar lá, Desenterrou a mulher do padeiro, seu amigo, Caqui, que estava sob efeito de calmantes... Constatou o milagre da vida, e levou um tremendo susto.
 O padeiro era apaixonadíssimo por sua esposa. E havia dito no velório que sua vida não tinha mais sentido. Sem ela tudo era nada. O mundo perdera a graça. Que iria se suicidar.
Ticão,  apesar de ser destemido, ficou embaraçado com aquela situação. O coração da mulher batia acelerado... Ela estava viva... E, ele pensava: “E agora, o que vou fazer?! A mulher ta viva!... Meu Deus!!! Nunca me aconteceu um caso desses... Ajude-me, conduza-me, Senhor!”
Não pensou duas vezes... Tirou a mulher dali, fechou o caixão e o enterrou novamente. Levou-a para sua casa... Entrou nas pontas dos pés para não chamar a atenção de ninguém. Deitou aquela bela mulher na sua cama e respirou aliviado. Flertou um pouquinho medindo aquele corpinho esguio de cima a baixo, e pensou: “Que desperdício... Uma coisa linda dessa ia servir de adubo. A morte tinha feito um estrago no meu coração...”.
Ao chegar na cozinha para tomar um pouco d’água, sua mãe, desesperada, disse-lhe:
- Aonde você estava meu filho? Todo mundo está lhe procurando feito doido. Já veio um montão de gente atrás de você. Aconteceu uma desgraça na cidade!
Ticão, que já não se assustava com mais nada, disse à sua mãe que se acalmasse. Ele já havia visto tanta coisa ruim na vida, que nada mais o surpreenderia. Então, sua mãe, disse-lhe:
- Sente-se para não cair! O padeiro deu cabo à própria vida!  Deu um tiro no peito que varou do outro lado... Morreu na hora. Deixou um bilhete dizendo: “Ninguém me condene. Fiz isso por amor. Eu amo Corrinha!!! Sem ela, eu não tenha por que viver. Eu sei que vou estar bem do seu lado...”.
Ticão levou as mãos à cabeça e disse:
 - Meu Deus, que idiota! Suicidou-se à toa.
Seu irmão, que estava de pé arrumando o cabelo de frente para o espelho, disse de supetão: “Se perdesse uma “gata” daquela, também me mataria!”
Ticão adentrou o seu quarto e viu a bela ex-defunta dormindo como uma anja. Pensou num estalo: “Agora é viúva e vou cuidar de você com amor e carinho.”
 Ninguém nunca soube, mas, ela era a sua paixão secreta; seu amor platônico. Com o suicídio do marido, o caminho agora estava livre. Era uma questão de oportunidade e tempo.
Ao virar as costas para deixar o quarto, ele ouvira resmungando:
- Onde estou? O que aconteceu comigo? Que coisa! Parece que estou moída, um bagaço, no pó da bagaceira... Que preguiça!
Ticão, ao ouvir aquela voz doce, virou-se de repente e disse:
- Oi, tudo bem?  Que sono profundo! Dormia como um anjo.
Ela, ao reconhecê-lo, tomou um susto danado, arregalou os olhos e disse:
- O que estou fazendo aqui? Eu morri? Diga-me, por favor?!
Ele ficou sem graça e lhe disse baixinho:
 - Tenha calma, você sofreu um desmaio, mas já está tudo bem.
Ela insistiu com aqueles lindos olhos azuis, e disse:
- Pelo amor de Deus! Não me diga que aconteceu uma desgraça? Cadê meu lindinho? Chame-o agora!... Por favor, Tição?!... Onde está o amor da minha vida?
Ele coçou a cabeça sem saber o que fazer e nem como falar, respirou profundamente, e disse:
- Corrinha, você está na minha casa, dentro do meu quarto, deitada na minha cama... Ao mesmo tempo aconteceu um milagre e uma desgraça.
Contou-lhe como ela veio parar ali e o motivo do suicídio do seu amado. Ela começou a chorar desesperadamente, e saiu com ele rumo à sua casa.
Por onde passavam as pessoas se assustavam e foi um tremendo corre-corre... Uma grande confusão. Do meio da multidão, enfurecida e medrosa, ouvia-se a voz de João Grilo que dizia:
- Mas, ela não morreu?! Valha meu Deus!!! É um fantasma!
 Nas ruas, pedestres trombavam-se; os carros colidiam-se; foi uma loucura... Gritos de “socorro!” ecoavam pelos quatro cantos da cidade.
Mas o pior ainda estava por vir... Quando ela se aproximou de sua residência, que estava lotada, muita gente chorando e lamentando a morte do padeiro....  O povo, ao vê-la, saiu correndo, gritando e desmaiando... Ticão não sabia o que fazer. O povo ficou doido e corria para todo o lugar desordenadamente.
Até o caudilho da cidade, que tinha fama de homem valente, ao vê-la, saiu em disparada como uma mula sem cabeça, gritando:
- Valha meu Santo Expedito!  O que é isso!... Tem piedade de mim!
Restaram somente a ex-defunta, o padeiro dentro do caixão gélido e desconfortável e o Ticão, que tratou de velar o amigo e a chorar consternado – fato inédito – ao lado da viúva. Aos poucos alguns corajosos chegaram para se despedirem do amigo morto também.
Entre um cafezinho e uma prosa, a história da ressurreição de Corrinha foi se esclarecendo... Sua catalepsia foi sendo explicada, comentada e compreendida por um e outro. Aos poucos  a notícia foi chegando aos ouvidos da população, que passou a  entender o que era isso, que era possível tal acontecimento, apesar de ser  fato raro. O povo certificou realmente que ela não era um fantasma como se pensava e temia.
 Ticão tomou todas as providências para o sepultamento do amigo padeiro... Ficou atento às palavras da viúva, que, lia em alta voz o bilhete do suicida, na hora do adeus final...  E, desesperadamente, gritava:
- Eu te amo, meu amor! Vá com Deus!
Passado algum tempo, Ticão pediu a sua mão em casamento, que, sem pestanejar aceitou... Tiveram filhos e filhas e eles viveram uma vida normal, modesta e feliz.


“Ticão é meu amigo e essa história tem uma “pitadinha” de verdade e ficção também...”
                                                                               O autor.
Professor Osmar Fernandes, em 01/08/2009; Código do texto: T1731293

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