Conto baseado em fato real... Uma história estonteante. Leia e deixe seu comentário!!!
O autor: Prof. Osmar Fernandes. "Respeite o direito autoral!".
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
O anjo loiro: Professor Osmar Fernandes, Em 08/03/2009; Código do texto: T1475023
O anjo loiro
Em Santana do Sul, cidadezinha do interior, o mundo parecia ter parado ali. A base de sua economia provinha da agricultura. De pouco comércio, fábricas de fundo de quintal, de pouco mais de l.500 (um mil e quinhentos) habitantes – a maioria morando na zona rural – vida pacata. Conhecida como a cidade dos aposentados (de salário mínimo). Na zona urbana quase todo mundo era funcionário público. Da região do vale da boca de fogo era a esquecida. Morava ali muita moça bonita e quase nenhum rapaz.
A única escola de ensino médio estava condenada a fechar, devido a pouca frequência. Só havia alunas. Os alunos nessa idade mudavam-se, iam embora em busca de trabalho e cursos técnicos em outras cidades.
Com o passar dos anos essa situação agravou-se, criou um problema social, emocional e familiar. Os velhos estavam morrendo; a taxa de natalidade quase foi extinta – percentual quase zero. Era um nascimento esporádico a cada cinco ou seis anos. O desespero das moças virgens, das titias, era de dar dó, de se ficar embasbacado.
Santana do Sul estava virando um deserto, uma cidade tipicamente fantasma, assombrada, esquecida num canto sem importância, no meio do nada, do mapa do mundo. Viam-se velhos aposentados papeando e ou jogando baralho nas praças públicas e nada mais.
A bela moça donzela já não passeava... Não tinha lá fora um olhar que atraísse sua atenção, seu desejo, tudo era muito quieto demais. O silêncio invadia o desespero de sua alma. Não havia juventude, tudo era velho em demasia, não havia animação, nem vida, nem prazer.
Era a cidade dos esquecidos. A única esperança era tornar-se maior de idade e fugir de casa. Coisa que uma ou outra se atrevia pôr em prática no ápice da desilusão.
Certo dia, Edviges, moça pura, que nunca desejou ser freira, recebeu um aviso em sonhos de sua amiga do peito, Isabela Caputte, dizendo que estava muito doente, que ardia em febre, que ia morrer. Diferente dela, Caputte sempre foi mais extrovertida, e tinha idéias avançadas para o seu tempo. Edviges, aflita, como se ouvisse os clamores da colega por telepatia, num pestanejar, sentindo algo estranho, um calafrio, resolveu visitar a amiga pessoalmente.
Quando já estava no portão de sua casa, dona Marcelina, sua mãe, conversava com dona Sofia Geara – senhora rígida aos moldes dos tempos idos – muito conceituada. Dona Marcelina, vendo a filha meio abatida, chamou-lhe a atenção, dizendo: - Onde vai a essa hora Edviges? Já é muito tarde para moça de família sair. No meu tempo, a essa hora eu já estava no último sono. Edviges respondeu à mãe: - Vou à casa de Isabela, mãe. Ela anda doente, está ardendo em febre. Não se preocupe, nem espere por mim. Vou passar a noite lá, mas, volto a tempo de ir para o colégio, tá?
Sua mãe advertiu-lhe, dizendo:- Edviges, minha filha, chame seu pai para acompanhá-la. Está muito tarde para ir só. Moça que anda na rua a esta hora sozinha, fica mal falada, cai na boca maldita do povo. Dona Sofia Geara, ouvindo aquela conversa entre mãe e filha, intrometeu-se, dizendo:- Sua mãe tem razão. É muito perigoso andar sozinha, já é tarde. Pode encontrar um louco na rua ou um tarado... Deus me livre! A gente nunca sabe o que há por detrás da cortina da noite, minha filha, cuidado!
Edviges, morrendo de tanto rir, disse:- Dona Sofia, pelo amor de Deus! Desse jeito a senhora ainda me mata de tanto rir. Nesta cidade nunca acontece nada, parece cidade dos mortos vivos... Nunca ouvi dizer que alguém foi atacado por aqui.
Dona Marcelina, rindo junto com dona Sofia, disse à filha:- Vá com Deus, minha filha! Não se esqueça que amanhã você tem prova. Volte bem cedinho, a mamãe vai lhe preparar aquele café colonial.
Edviges, partiu, e quando estava a cinquenta metros do cemitério, ouviu um elogio sair de uma voz melodiosa, dizendo:- Das donzelas és a mais bela... "Todo gosto é gostoso, se eu gosto, eu desejo, mas, se o desejo, não vejo, sei que é pecado".
Ela ficou enlouquecida e enfeitiçada. Nunca havia sido paquerada, sentiu-se “poderosa”, e correu o olhar para descobrir quem era o dono daquela voz que parecia tão jovem. Continuou a caminhar, agora, a passos lentos, faceira, quando, na esquina, através da penumbra da luz da lua, deparou-se com um belo rapaz de cabelos louros encaracolados. Foi encanto de moça donzela à primeira vista, suspirou, profundamente, não acreditando no que via, e quase desmaiou. Sussurrou, maravilhadamente, e disse: -Quem é você? Nunca lhe vi por aqui. É parente de quem ? O rapaz nada respondeu, hipnotizando-a, e, dominando-a, beijou-lhe a boca. Foi o primeiro beijo de Edviges. Ela ficou estonteante, esvoaçou pelas nuvens. Ele a levou mais adiante, e, no meio do mundo, no ninho da vida, deitou-a, amou-a, voluptuosamente, como um verdadeiro amante.
Às dez horas da manhã, assustada, com o sol em seu rosto, despertou de seu sono profundo, viu-se nua, e seu subconsciente lhe confidenciou: “Foi sonho, devaneio ou foi real?” Meu Deus! O que me aconteceu?
De repente, ao se vestir, sentiu algo estranho. Seu corpo estava leve como uma pluma, algo estava diferente, não sabia discernir o que era. Sentiu um perfume exalar à sua volta. O aroma estava impregnado no seu corpo. Confusa, voltou à sua casa, e lá chegando, ficou surpresa, deu de cara com muita gente, e sua mãe, chorando e desalentada, disse-lhe: - Minha filha, pelo amor de Deus! Onde você estava, até agora? Quase morri de tanta preocupação. Todo mundo estava à sua procura. Seu pai está de cama por sua causa. Onde você dormiu? Que cheiro é esse?
Edviges, nada respondeu, como se estivesse em transe. Foi para o quarto e enquanto subia os degraus, dona Célia, a fofoqueira, logo observou que a ponta do seu vestido estava manchada de sangue, e foi logo dizendo ao pé do ouvido de outra linguaruda:- Vê, Efigênia, o vestido dela está melado de sangue. Tenho certeza como tem Deus no céu, que andou de safadeza por aí com algum velho.
Efigênia, sem papas na língua, foi logo soltando o seu veneno: - Que velho sem-vergonha deflorou a “bichinha”, inocente, caipira? Essas moças de hoje em dia são tão bobinhas, caem na conversa de qualquer um, não é mulher? Será que não foi o seu velho? Andam dizendo por aí que você “não dá mais no coro”, é verdade? Ainda dizem, que ele está soltando fogo pelas “ventas”, tá cheio de energia, sentindo-se um garotão de quarenta. Será que foi seu velho, comadre?!
Dona Célia, pega de surpresa, pois achava que ninguém sabia de sua vida íntima, dos seus segredos, disparou, dizendo: - Se ele fez uma coisa dessas comigo, mato esse desgraçado, mas, primeiro, capo o infeliz. Depois eu o amarro de cabeça pra baixo, e fico assistindo sua agonia até morrer. Ele sabe que sou assim. Não admito traição. Já tenho mais de setenta, e ele também. Não “brincamos” dessas coisas há muito tempo. Ah, se ele fez isso!
Dona Célia, deu uma pausa, pensou, e disse:- Pensando bem, creio que você está enganada, pois fiquei sabendo que o seu Bartô não dormiu em casa essa noite passada, comadre, onde ele estava?
Comadre Efigênia, meio sem graça, coçou a longa cabeleira – verdadeiro “fuá”– e disse:- Credo, mulher!... Não fale uma coisa dessas do meu santo, não! Ele foi só jogar cartas com os outros. O vício desses nossos homens é jogar a porcaria do “truco”. Passam horas, noites adentro no baralho, e você sabe disso. Não sabe?
Dona Célia, categoricamente, disse: - É, comadre, "pimenta nos olhos dos outros é refresco!". Santo, nenhum homem é. Em se tratando de “rabo de saia”– ainda mais, novinha - todo homem quer; é sem-vergonha. Já viu falar o ditado que “bode velho baba por uma cabritinha nova?”. Pois é... O meu, hoje, não é mais aquele garanhão da mocidade. Traía-me com qualquer vagabunda. Era fissurado numa “mocinha”. Não aguentava ver uma e, dizia que aquilo tinha cheiro de vida. Até que um dia eu lhe dei uma surra daquelas, quase o matei, e lhe prometi, por todos os santos do céu, que, se um dia me traísse de novo, não o perdoaria. Logo, comadre, é bom averiguar essa história de baralho, to sentindo que aí tem coisa das "brabas". Tem macaca nova no galho!!!
Dona Efigênia arregalou seus olhos grandes e negros, amarelou, e disse balbuciando: - Ah, meu Deus! Será que foi ele? Ela foi desfalecendo... E, dona Célia preocupada, começou a abanar sua comadre, e dizia-lhe que era brincadeirinha, imaginação fértil, que era uma lorota. Bobagem... A amiga, aos poucos, foi se restabelecendo e zarpou.
A mãe de Edviges, que num cantinho imperceptível ouvira aqueles mexericos, dizia a si mesma: Isso não pode ter acontecido com a minha filha... Se algum velho safado fez isso, eu mato.
Quando dona Marcelina foi ter com a filha, a porta do quarto estava fechada, só se podia ouvir o barulho do chuveiro ligado e o choro de Edviges. Sua mãe implorou para que ela abrisse a porta, mas tudo que conseguiu ouvir da filha foi que estava cansada e lhe deixasse em paz.
No outro dia Edviges desceu cedinho para tomar o café e ir para o colégio. A mãe, ao vê-la, foi logo falando:- Minha filha, onde dormiu à noite passada? Responde, menina!... Eu estou falando com você?!!!
Edviges, nada respondeu, permaneceu estranha, como se nada tivesse acontecido. Acendeu um cigarro do pai que estava sobre a mesa, causando mais estranheza na mãe, pois ela não fumava. Vendo a filha se engasgar, pois não sabia tragar, nervosa, falou enfurecida: - Agora fuma também?! O que está acontecendo com você? Onde passou a noite?
Naquele momento, como se tivesse sido tele-transportada, simplesmente, apagou o cigarro e, calma, respondeu:- Nada mamãe. Se a senhora quer saber sobre o que aconteceu, eu não sei lhe explicar. Eu só me lembro que estava indo para a casa de Isabela, quando me deparei com uma coisa. Ele avançou em mim e eu caí, devo ter batido com a cabeça numa pedra, e não me lembro de nada... A propósito, papai está melhor?
Balançando a cabeça, negativamente, desconfiada daquela conversa, resolveu fingir que acreditava na filha, era o melhor a fazer naquela hora, e disse: - Sim, minha filha, seu pai está bem melhor, agora, que você voltou sã e salva. Acho bom você se apressar com o café e ir para a escola, senão vai chegar atrasada. Falei com a professora e ela vai lhe dar uma nova prova. Aliás, não quero que você saia mais à noite sozinha, mais uma dessa, eu e o seu pai não aguentaremos.
Edviges, sem graça, respondeu à mãe: - Eu sei, mamãe, não se preocupe, isso não vai mais se repetir. O que Edviges não sabia, era que a cidade inteira estava comentando, maldosamente, sobre a sua honra. Houve muito tititi sobre aquele episódio. Ela perdeu muitas amigas por isso.
(...)
Já havia passado dois meses e meio desde o acontecido, quando Edviges começou a notar algo estranho em seu corpo. Seus seios estavam maiores e doía, a menstruação atrasada, sentindo enjoos, e muito sono. Quando a mãe descobriu a gravidez da filha resolveu inventar para a sociedade, e até mesmo para o padre, que ela estava gestante de uma coisa d’outro mundo. Que, no dia do seu sumiço, um disco voador aterrissou e alguém se aproveitou da pobrezinha.
(...)
Já havia passado dois meses e meio desde o acontecido, quando Edviges começou a notar algo estranho em seu corpo. Seus seios estavam maiores e doía, a menstruação atrasada, sentindo enjoos, e muito sono. Quando a mãe descobriu a gravidez da filha resolveu inventar para a sociedade, e até mesmo para o padre, que ela estava gestante de uma coisa d’outro mundo. Que, no dia do seu sumiço, um disco voador aterrissou e alguém se aproveitou da pobrezinha.
Pouca gente acreditou nessa história. As fofocas aumentaram ainda mais. Acirraram-se as bisbilhotices. Por onde a garota passava era apontada como vadia, e que aquele filho era fruto de um adultério, filho de seu Bartô – o marido de dona Efigênia. O que o levou a ter a fama de “papa-anjo”, de pedófilo, “comedô”. O homem “ficou em papos de aranha” na cidade. Perdera os velhos amigos. Andava triste, cabisbaixo, não era mais o homem alegre de antes. O falatório se encarregou de transformar aquela mentira numa verdade absoluta, e o homem foi condenado, sem ao menos ter a chance de se defender.
A cidade ficou polvorosa. Os comentários, nas rodinhas de aposentados, eram: “- Como Bartô, naquela idade, havia conseguido tal proeza, embuchar aquela jovenzinha...”. Isso causou inveja e deixou muitos velhos excitados. Alguns chegaram a se engraçar com as moças mal faladas. Outros chegaram a oferecer todo o seu salário em troca de um carinho mais fervoroso. Foi um “deus nos acuda!” As meninas ficaram aturdidas. Mas, somente a Gaia – a fácil – cedeu, e depenou até o último centavo de meia dúzia de velhinhos desesperados.
O que os cidadãos de Santana do Sul não sabiam, era que algo de sobrenatural estava acontecendo e desejava as moças daquele lugar. Já era mais de meia noite, quando Isabela Caputte foi despertada por um longo beijo roubado que a enlouquecera de prazer, foi envolvida, tomada e amada, nunca havia sentido nada igual antes. Aquele momento foi mágico, foi lindo. Ao acordar não sabia se tinha sido real ou se havia sonhado mesmo.
O moço enfeitiçava todas as mulheres. Ele se transformava no homem dos sonhos de cada uma, por isso, era irresistível. Sabia como e quando devia aparecer e tocá-las, possuí-las. Nem uma resistia aos seus encantos.
Isabela foi amada numa noite de magia, prazeres e mistérios. Ao acordar descobriu que tinha sido deflorada pelo homem de seus sonhos. Chorou, depois pensou: “provei o gosto gostoso do pecado...”. Em seguida, sorriu, e pensou novamente: “Quem me fez mulher? Quem?”.
Passado algum tempo, ela começou a sentir os sintomas da gravidez. Foi então que resolveu contar tudo à sua amiga, Mariana: - Pimentinha, tô frita!
Morrendo de curiosidade, disse: - Conta logo!... Isabela Caputte, meio sem graça, contou sua história advertindo: - Então ouça e não me interrompa. Há um mês estava no meu quarto dormindo, quando fui despertada por um longo beijo roubado, fazendo-me ficar sem forças. Aquele era o homem dos meus sonhos. Fascinou-me, seduziu-me, e, então, fui tocada, não resisti e me entreguei de corpo, alma e mente. Foi eletrizante. Foi um anjo que caiu em minha cama e tomou posse de mim. Hoje, tenho certeza que estou esperando um filho dele, tenho os mesmos sintomas que Edviges dizia sentir no início de sua gestação.
Mariana teve uma crise de risos e disse à amiga: - Conta outra, Isabela... Tá bom! Quase acreditei nessa sua história Shakespeariana. Mas, por favor, tenha a santa paciência! Um rapaz lindo, aqui em Santana do Sul, e, ainda por cima, com tal poder de sedução?! Você está inventando isso para não ficar falada também, não é? Foi o mesmo velho tarado – seu Bartô – não foi? Agora, não adianta guardar segredo. Todo mundo vai saber. Se o filho é dele, o velhinho é porreta mesmo! Até que enfim, um homem está resolvendo os problemas das moças deste lugar nojento, deste fim do mundo! Agora, você está arrependida, e vem com uma história bonita dessa?
Isabela começou a chorar, e disse: - Sabia que você não ia acreditar em mim. Tudo o que disse é verdade, mas, acho que você está certa, em parte: este homem é um mistério. Será um anjo mesmo ou um demônio?!!!
Mariana, vendo a preocupação da amiga, percebeu que aquilo não era uma brincadeira; que falava sério. Resolveu investigar melhor àquela história, e perguntou: - Como assim, um mistério? Você perdeu a sua virgindade e engravidou de uma pessoa, e não sabe nem quem é?
Isabela começou a explicar à amiga:- Ele é uma espécie de zumbi, entende? Um cara lindo, mas, estranho. É o que me leva a acreditar que ele não é daqui. Sua juventude e seu vigor físico é deslumbrante. Seu rosto de anjo, e, principalmente, sua voz, inconfundível... E àquele perfume... É o mais aromático que já senti em toda a minha vida. Meu corpo ainda tem o cheiro dele. É um homem irresistível. Não tem nada a ver com o coitado do seu Bartô. Aquele velhinho não faz mal nem para uma mosca morta... Aquele Anjo Loiro é o homem do meu sonho.
Foi aí que Mariana ligou os fatos sobre o que havia acontecido com Edviges, e foi dizendo: - Esse perfume do qual você está me falando é o mesmo que a Edviges me disse ter sentido também. Eu bem que desconfiei daquela história absurda de ter sido engravidada por um “ET” conforme a mãe dela disse. Desconfiei também dos boatos de que teria sido o pobre daquele velho. Por mais desesperada que esteja uma de nós, é impossível sentir tesão por um velho gagá, babão daquele! Perdoa-me, amiga! Vou desvendar esse mistério, custe o que custar!
Mariana deu com a boca no mundo, salvou o casamento do seu Bartô – que voltou a conviver em paz com a sua esposa e com os amigos. Mas ela deixou a cidade em pé de guerra, assombrada, com a notícia de que um bonitão atacava as virgens, as ninfetas e as mulheres bonitas e mal-amadas. Foi como se tivesse jogado uma bomba no coração de cada família e quebrado certos tabus.
Depois que a notícia ganhou repercussão regional, teve moça que deixava a janela do quarto aberto, na esperança de ser amada pelo famoso “bonitão”. Os comentários eram tão fortes, que até algumas senhoras casadas – mal-amadas, aderiram à ideia também.
A cada dia, sempre depois da meia noite, ele fazia mais uma vítima. Nem mesmo a neta do delegado escapou de sua sedução. Foi paixão ao primeiro toque de amor. Como um anjo, desposou-a carinhosamente... Pedrina contava sem rodeios que tinha sido tocada por ele como sonhava, como lia nas fotonovelas... Dizia: “Foi romântico, foi lindo, foi eterno... Ele é o meu anjo loiro”. Engravidou também.
O falatório deu “corda” aos desejos insaciáveis. Foi então que o delegado resolveu caçar O ANJO LOIRO – vigiando as janelas. Fazia rondas cada vez mais modernas, utilizando-se de tecnologia avançada que dispunha, ou a que conseguia através da Secretaria de Justiça do seu Estado. Mas, nada conseguia detectá-lo. O homem tinha um pacto com as forças do além. Nunca visitava a mesma amada duas vezes. O homem era um procriador. A pergunta era: De quem? Por quê?
Havia se passado seis meses e a polícia não o identificou. O tempo foi se passando, e “O Anjo Loiro” foi conquistando simpatizantes. Já havia gente que desejava que ele possuísse a sua filha para ter netos e ver a continuidade de sua geração. As janelas abertas de famílias tradicionais denunciavam o sinal de aprovação. Muitos velhos assinaram um documento exigindo que o delegado abandonasse o caso, que deixasse o homem encantado em paz, que pudesse aparecer livremente e sem medo, mostrasse a sua face.
Quando nasceu o primeiro bebê, lindo e fofo, a polícia parou de caçar o Anjo Loiro... O povo pedia e rezava para que a sua filha fosse a próxima escolhida. Aquela criança deu vida e esperança à população daquele lugar esquecido do mundo. Aos poucos, foi nascendo uma após outra, e o crescimento daquela cidade foi inevitável. O perfil das crianças era de acordo com o sonho das possuídas.
Após alguns anos, os meninos loiros, morenos, negros, japoneses e de todas as raças e sonhos, povoaram aquele lugar que dantes estava condenado a desaparecer do mapa. Eram muitos, e a cidade ganhou cara e vida nova. Seu número de habitantes passava de sete mil, e todos eram parentes. Tornaram-se patriotas a tal ponto que nasciam e morriam ali, sem ter vontade ao menos de conhecer outro lugar. Ali era o paraíso do mundo. As mulheres responsáveis por essa geração eram idolatradas pelos seus descendentes.
Muitas moças e mulheres de outras localidades iam aos bailes e às festas na cidade dos meninos belos: Os filhos do Anjo Loiro – atraídas pela beleza e a fama do vigor físico que tinham. As moças que apareciam lá, logo ficavam apaixonadas. Namoravam, noivavam e se casavam. Os filhos dessa geração eram criaturas abençoadas.
O Anjo Loiro, satisfeito com a sua criação, resolveu confidenciar o seu segredo para o seu verdadeiro amor, dizendo:- Sou um espírito de luz. Tudo o que fiz foi por amor a este lugar que estava condenado a desaparecer. Sou a semente da vida... Lá de cima, senti o seu fim. Foi-me dada à missão de povoá-lo. De acordo com o sonho de cada mulher renascia a minha esperança... Por isso eu me transformei de acordo com o homem que cada uma queria. Mas, eu me apaixonei por você. Pedi para o meu superior, para que eu me reencarnasse e pudesse viver como um ser humano e me casasse contigo. Somente você, Edviges, sabe disso. Ninguém nem desconfia que sou o pai dessa enorme geração. Sou um homem feliz por ser o progenitor de tantos sonhos e poder ter salvo esta cidade. Todavia estou mais feliz por ter encontrado o meu amor. Fui um sonho real para muitas, porém, vivo a minha realidade... Você é, foi e será o meu sonho vivo eternamente, te amo!
Edviges sorriu feliz da vida e pode entender o seu destino finalmente... Deu-lhe um beijo fogoso e o amor tomou conta daquele ambiente.
Professor Osmar Fernandes, Em 08/03/2009; Código do texto: T1475023
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. |
A lei da sobrevivência: Professor Osmar Fernandes, Em 22/10/2010; Código do texto: T2571137
O rato visitou minha pia e fez grande estrago... O papagaio assistia a tudo, e gritou, desesperado: “Quando o gato sai de casa o rato faz a festa!”. Nessa hora, o gato chegou sorrateiramente e viu o rato saindo de fininho rumo ao seu esconderijo... Era a busca da caça para matar a fome.
Noutro canto, a barata assustada, vigiava atentamente a aranha... É a lei da sobrevivência... Cada bicho busca matar a sua fome. O mosquito deu mole e caiu brutalmente na teia, e a dona da arapuca pôde, enfim, dar um tempo à dona barata.
Toda noite é assim, é a lei do mais forte e a ousadia dos mais espertos. Felinos, artrópodes, ratos, papagaios e insetos e todos os demais animais do reino buscam a sua próxima vítima... É o instinto do reino.
O pior dos animas é o homem que mata para roubar, mata por ódio, mata por inveja, mata por ambição; mata por tantas bobagens... Obviamente, que, se fizesse jus ao seu esplendor diferencial não mataria, nem roubaria, nem seria o bicho mais feroz de todas as raças, pois, é raça inteligente; e, além de cometer todo tipo de atrocidade, destrói a natureza e o planeta que Deus fez.
Professor Osmar Fernandes
Em 22/10/2010
Código do texto: T2571137
Classificação de conteúdo: seguro
Código do texto: T2571137
Classificação de conteúdo: seguro
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domingo, 19 de fevereiro de 2017
Saco de esmola: Professor Osmar Fernandes, em 14/03/2009; Código do texto: T1485586
Saco de esmola
Em cidadezinha do interior todo mundo conhece todo mundo. Tem suas peculiaridades, seus artistas, seus loucos. Tem o bobo, o doido, o jornaleiro, o intelectual, o bêbado cômico, o mendigo, o mentiroso, enfim. Pelo latido do cachorro se conhece o dono.
Na cidade de Garganta Teimosa, Tonho Titica, o pedinte amado por uns e odiado por outros, chegou bem cedo no boteco do seu velho amigo de infância, Zé Capeta - dono do bar dos cachaceiros - adentrou o estabelecimento, alegre, e foi logo dizendo:
- Bom dia, Zé Capeta! Posso deixar o meu “saco de esmola” ali, naquele cantinho esquecido? Vou lá no posto de saúde buscar um remédio e volto já, já.
Zé Capeta sisudo, cara de fome, bigodudo, respondeu-lhe:
- Se você for num pé e voltar noutro, pode sim. Mas, tem que ser ligeiro! Minha clientela chega cedo, e... Bem, vá logo, e não demore.
Mas, o infeliz, tentando atravessar a rua, foi atropelado por um jerico, que, andava à solta... E foi imediatamente, hospitalizado. Lá, permaneceu por três dias.
Tonho Titica, ao receber alta médica, foi correndo buscar o seu “saco de esmola”.
Ao chegar no boteco, deu por falta do saco... O cantinho estava vazio. Desesperado, gritou para o dono do boteco:
- Por Deus, Zé Capeta, cadê o meu saco?!
O Zé que já não se lembrava mais do saco, respondeu na bucha:
- Sei lá do seu saco, Tonho Titica!
Mas, como tinha memória de elefante, recobrou as idéias, e disse:
- Sei lá daquela porcaria! Eu bem que lhe avisei que fosse num pé e voltasse noutro. Não foi? Agora, depois de três dias, você me aparece e quer que eu lhe dê conta do saco! Ta brincando comigo, né?!
O mendigo levou as mãos à cabeça, e disse:
- Você não pode falar assim do meu saco! É tudo o que eu tenho na vida... É a minha herança, meu tesouro.
O mendigo, triste, baixou a cabeça, pensou... E falou:
- Ta vendo aquela fazenda, ali, é de João, tem muitos alqueires e milhares de bois. O que ela vale para você?
Zé, indignado, respondeu na lata:
- P’ra mim não vale nada! Por quê?!
O mendigo olhando bem no fundo dos olhos do amigo, disse:
- Pois é, mas para o João vale muito, é tudo o que ele tem na vida.
E, ao ver um carro novo passando, insistiu:
- Ta vendo aquele carro lá, é do Pedro, é carro do ano, novo. O que ele vale p’ra você?
Zé Capeta, meio irritado, respondeu-lhe:
- Nada! Nada! Nada! Que pergunta besta é essa?!
Tonho Titica emocionado, disse-lhe:
- Zé, o meu saco de esmola também não vale nada pra você, mas, pra mim é tudo, é tudo o que me resta na vida. É minha fazenda, meus bois, meu carro zero... É a minha vida, meu tesouro. Pode ser velho, sujo, fedorento, mas é meu... Meu! É meu!! É meu!!!
Zé Capeta procurou chão nos pés e não achou. Nunca tinha imaginado, pensado numa coisa dessas. Envergonhado diante de sua clientela, disse para o seu amigo de infância:
- Calma! Vou comprar um saco novinho em folha pra você. Aquele estava mesmo precisando ser trocado. Estava velho demais.
O mendigo perturbado, disse-lhe:
- Falei um quilo e você não entendeu uma grama!... Não quero um saco novo; quero o meu! Ta me entendendo?! Olhe bem pra minha boca: o meu!!!
Zé ficou encabulado diante daquela situação medonha. Percebeu que o mendigo não desistiria nunca do seu saco.
Tonho Titica ao falar do seu saco, falava com gosto: “É meu!...” Como se estivesse falando de um saco de ouro.
Então, Zé Capeta resolveu acalmá-lo, e disse-lhe:
- Está bem! Vou encontrar o seu saco de esmola, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Vá embora e amanhã venha buscar o seu saco; aquilo que você chama de tesouro.
O mendigo saindo do bar, dizia a si mesmo, resmungando: “Passarei a noite em claro, não vou dormir. Vou fazer promessas para as Treze Almas Benditas e para São Longuinho.”
Zé Capeta foi em busca do saco de esmola do Tonho Titica. Saiu à caça pelo bar perguntando para os empregados e para todo mundo, se alguém tinha visto ou pego o saco. Mas, ninguém sabia de nada. Foi aí, que, teve uma idéia supimpa... E esperou o mendigo vir buscar o saco conforme combinado.
No dia seguinte, Zé Capeta ao vê-lo chegar no seu bar abriu um largo sorriso, e disse-lhe:
- Aqui está o seu saco... Ficamos discutindo e nos esquecemos de procurá-lo direito. Ele estava ali debaixo do balcão. A empregada ao varrer o bar o colocou lá, e nós não o vimos. Enfim, aí está o seu tesouro.
O mendigo ao pegar o seu saco ficou tão feliz e empolgado, que se esqueceu de dizer muito obrigado ao seu amigo, e foi-se embora, desapareceu, evaporou que ninguém viu.
Zé Capeta disse aos clientes que assistiram o desenrolar de toda aquela lengalenga:
- Se todo mundo desse valor nas coisas que tem, como esse mendigo, o mundo seria bem melhor e as pessoas seriam mais felizes. Ninguém iria achar o tempero da vizinha melhor que o seu... A inveja – o dom dos incapazes – seria sepultada para todo o sempre.
Um dos clientes, curioso que era, perguntou ao Zé Capeta:
- Mas, como você encontrou o saco do Tonho Titica mesmo?
Ele respondeu:
- Ah! Isso eu não conto não, é segredo de Estado. Meu pai sempre me dizia: “Quem rouba um tostão rouba um milhão e a ocasião faz o ladrão!”
Na cidade de Garganta Teimosa, Tonho Titica, o pedinte amado por uns e odiado por outros, chegou bem cedo no boteco do seu velho amigo de infância, Zé Capeta - dono do bar dos cachaceiros - adentrou o estabelecimento, alegre, e foi logo dizendo:
- Bom dia, Zé Capeta! Posso deixar o meu “saco de esmola” ali, naquele cantinho esquecido? Vou lá no posto de saúde buscar um remédio e volto já, já.
Zé Capeta sisudo, cara de fome, bigodudo, respondeu-lhe:
- Se você for num pé e voltar noutro, pode sim. Mas, tem que ser ligeiro! Minha clientela chega cedo, e... Bem, vá logo, e não demore.
Mas, o infeliz, tentando atravessar a rua, foi atropelado por um jerico, que, andava à solta... E foi imediatamente, hospitalizado. Lá, permaneceu por três dias.
Tonho Titica, ao receber alta médica, foi correndo buscar o seu “saco de esmola”.
Ao chegar no boteco, deu por falta do saco... O cantinho estava vazio. Desesperado, gritou para o dono do boteco:
- Por Deus, Zé Capeta, cadê o meu saco?!
O Zé que já não se lembrava mais do saco, respondeu na bucha:
- Sei lá do seu saco, Tonho Titica!
Mas, como tinha memória de elefante, recobrou as idéias, e disse:
- Sei lá daquela porcaria! Eu bem que lhe avisei que fosse num pé e voltasse noutro. Não foi? Agora, depois de três dias, você me aparece e quer que eu lhe dê conta do saco! Ta brincando comigo, né?!
O mendigo levou as mãos à cabeça, e disse:
- Você não pode falar assim do meu saco! É tudo o que eu tenho na vida... É a minha herança, meu tesouro.
O mendigo, triste, baixou a cabeça, pensou... E falou:
- Ta vendo aquela fazenda, ali, é de João, tem muitos alqueires e milhares de bois. O que ela vale para você?
Zé, indignado, respondeu na lata:
- P’ra mim não vale nada! Por quê?!
O mendigo olhando bem no fundo dos olhos do amigo, disse:
- Pois é, mas para o João vale muito, é tudo o que ele tem na vida.
E, ao ver um carro novo passando, insistiu:
- Ta vendo aquele carro lá, é do Pedro, é carro do ano, novo. O que ele vale p’ra você?
Zé Capeta, meio irritado, respondeu-lhe:
- Nada! Nada! Nada! Que pergunta besta é essa?!
Tonho Titica emocionado, disse-lhe:
- Zé, o meu saco de esmola também não vale nada pra você, mas, pra mim é tudo, é tudo o que me resta na vida. É minha fazenda, meus bois, meu carro zero... É a minha vida, meu tesouro. Pode ser velho, sujo, fedorento, mas é meu... Meu! É meu!! É meu!!!
Zé Capeta procurou chão nos pés e não achou. Nunca tinha imaginado, pensado numa coisa dessas. Envergonhado diante de sua clientela, disse para o seu amigo de infância:
- Calma! Vou comprar um saco novinho em folha pra você. Aquele estava mesmo precisando ser trocado. Estava velho demais.
O mendigo perturbado, disse-lhe:
- Falei um quilo e você não entendeu uma grama!... Não quero um saco novo; quero o meu! Ta me entendendo?! Olhe bem pra minha boca: o meu!!!
Zé ficou encabulado diante daquela situação medonha. Percebeu que o mendigo não desistiria nunca do seu saco.
Tonho Titica ao falar do seu saco, falava com gosto: “É meu!...” Como se estivesse falando de um saco de ouro.
Então, Zé Capeta resolveu acalmá-lo, e disse-lhe:
- Está bem! Vou encontrar o seu saco de esmola, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Vá embora e amanhã venha buscar o seu saco; aquilo que você chama de tesouro.
O mendigo saindo do bar, dizia a si mesmo, resmungando: “Passarei a noite em claro, não vou dormir. Vou fazer promessas para as Treze Almas Benditas e para São Longuinho.”
Zé Capeta foi em busca do saco de esmola do Tonho Titica. Saiu à caça pelo bar perguntando para os empregados e para todo mundo, se alguém tinha visto ou pego o saco. Mas, ninguém sabia de nada. Foi aí, que, teve uma idéia supimpa... E esperou o mendigo vir buscar o saco conforme combinado.
No dia seguinte, Zé Capeta ao vê-lo chegar no seu bar abriu um largo sorriso, e disse-lhe:
- Aqui está o seu saco... Ficamos discutindo e nos esquecemos de procurá-lo direito. Ele estava ali debaixo do balcão. A empregada ao varrer o bar o colocou lá, e nós não o vimos. Enfim, aí está o seu tesouro.
O mendigo ao pegar o seu saco ficou tão feliz e empolgado, que se esqueceu de dizer muito obrigado ao seu amigo, e foi-se embora, desapareceu, evaporou que ninguém viu.
Zé Capeta disse aos clientes que assistiram o desenrolar de toda aquela lengalenga:
- Se todo mundo desse valor nas coisas que tem, como esse mendigo, o mundo seria bem melhor e as pessoas seriam mais felizes. Ninguém iria achar o tempero da vizinha melhor que o seu... A inveja – o dom dos incapazes – seria sepultada para todo o sempre.
Um dos clientes, curioso que era, perguntou ao Zé Capeta:
- Mas, como você encontrou o saco do Tonho Titica mesmo?
Ele respondeu:
- Ah! Isso eu não conto não, é segredo de Estado. Meu pai sempre me dizia: “Quem rouba um tostão rouba um milhão e a ocasião faz o ladrão!”
Professor Osmar Fernandes, em 14/03/2009; Código do texto: T1485586
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Pedro Mentira: Professor Osmar Fernandes, em 08/03/2009; Código do texto: T1475030
Pedro Mentira
Numa cidadezinha do interior de São Paulo, existia um sujeito mentiroso, engraçado e de meia idade. Gostava de inventar lorotas, enganar os outros. Era a mentira em pessoa! Por isso, perdeu seu nome de batismo e foi apelidado pela população de Pedro Mentira.
Certa vez, ele chegou à Sub-Prefeitura, o pessoal estava tomando o cafezinho da manhã, quando o funcionário de primeiro escalão, Luis Manco perguntou-lhe:
- Qual a mentira dessa vez Pedro Mentira?
Pedro Mentira ficou cabisbaixo, triste, e respondeu-lhe:
- Hoje me recuso a contar uma, estou chateado.
- Ah!... Conta uma mentirinha, nem que seja bem pequenininha, conta! Só para não perder a força do hábito.
- Não! Hoje meu coração está de luto.
- Por quê? O que houve?!
- Um velho amigo faleceu agora a pouco.
- Quem?!
- O mais ilustre dos cidadãos da nossa cidade, o meu compadre e pioneiro, Neném Baiano.
- Sério? Meu Deus!
Luis Manco correu para o telefone e avisou o prefeito. Fez-se um alvoroço... Foi decretado luto oficial por três dias, imediatamente. Os funcionários foram dispensados. O comércio baixou as portas. O badalo da Igreja anunciou o acontecido. O povo colocou tarja preta no ombro em sinal de luto. A lamentação tomou conta daquele lugar.
Luis pegou a família, pôs no seu carro e partiu para o Distrito rumo à casa do falecido. Formou-se um comboio. O ônibus da prefeitura, lotado, partiu pra lá também. Quem não tinha carro ou carona foi do jeito que pôde.
O Distrito ficava a uns seis quilômetros. A cidade partiu pra lá. O choro tomou conta do comboio.
Luis Manco, que puxava a fila, ao se aproximar da casa do morto, observou que não havia movimento algum nela.
O povo do Distrito ficou assustado com tantos carros e visitantes. Luis Manco gritou para o Zitão que estava sentado a beira da porta:
- Onde é o velório!
- Sei não sinhô!
Luis Manco fez a volta e foi até a pracinha, centro do Distrito, e percebeu que os TRUQUEIROS estavam em silêncio, e ao se aproximar, desmaiou... Quando acordou, notou que estava no quarto do Hospital Municipal, e assustado, rodeado de muita gente, gritou:
- Que aconteceu! Que estou fazendo aqui?!
Observou dentre a multidão a presença de Pedro Mentira, e irado, gritou:
- Pedro Mentira, seu desgraçado! Você quase me matou! Por que fez isso?!
Pedro Mentira meio embananado respondeu-lhe:
- Ué, você não me pediu para contar uma mentirinha!
(Autor – Prof. Osmar Soares Fernandes)
Certa vez, ele chegou à Sub-Prefeitura, o pessoal estava tomando o cafezinho da manhã, quando o funcionário de primeiro escalão, Luis Manco perguntou-lhe:
- Qual a mentira dessa vez Pedro Mentira?
Pedro Mentira ficou cabisbaixo, triste, e respondeu-lhe:
- Hoje me recuso a contar uma, estou chateado.
- Ah!... Conta uma mentirinha, nem que seja bem pequenininha, conta! Só para não perder a força do hábito.
- Não! Hoje meu coração está de luto.
- Por quê? O que houve?!
- Um velho amigo faleceu agora a pouco.
- Quem?!
- O mais ilustre dos cidadãos da nossa cidade, o meu compadre e pioneiro, Neném Baiano.
- Sério? Meu Deus!
Luis Manco correu para o telefone e avisou o prefeito. Fez-se um alvoroço... Foi decretado luto oficial por três dias, imediatamente. Os funcionários foram dispensados. O comércio baixou as portas. O badalo da Igreja anunciou o acontecido. O povo colocou tarja preta no ombro em sinal de luto. A lamentação tomou conta daquele lugar.
Luis pegou a família, pôs no seu carro e partiu para o Distrito rumo à casa do falecido. Formou-se um comboio. O ônibus da prefeitura, lotado, partiu pra lá também. Quem não tinha carro ou carona foi do jeito que pôde.
O Distrito ficava a uns seis quilômetros. A cidade partiu pra lá. O choro tomou conta do comboio.
Luis Manco, que puxava a fila, ao se aproximar da casa do morto, observou que não havia movimento algum nela.
O povo do Distrito ficou assustado com tantos carros e visitantes. Luis Manco gritou para o Zitão que estava sentado a beira da porta:
- Onde é o velório!
- Sei não sinhô!
Luis Manco fez a volta e foi até a pracinha, centro do Distrito, e percebeu que os TRUQUEIROS estavam em silêncio, e ao se aproximar, desmaiou... Quando acordou, notou que estava no quarto do Hospital Municipal, e assustado, rodeado de muita gente, gritou:
- Que aconteceu! Que estou fazendo aqui?!
Observou dentre a multidão a presença de Pedro Mentira, e irado, gritou:
- Pedro Mentira, seu desgraçado! Você quase me matou! Por que fez isso?!
Pedro Mentira meio embananado respondeu-lhe:
- Ué, você não me pediu para contar uma mentirinha!
(Autor – Prof. Osmar Soares Fernandes)
Professor Osmar Fernandes, em 08/03/2009; Código do texto: T1475030
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Atestado de óbito: Professor Osmar Fernandes, em 01/08/2009; Código do texto: T1731293
Atestado de óbito
Era fissurado por velório. Todo assunto de defunto e cemitério deixava Ticão fascinado. Nascido e criado no Município de Paixão Dourada, ele morava no distrito do Cintra do Rio Vermelho, nas proximidades do cemitério. Trabalhava na prefeitura, na Secretaria da Assistência Social. Sua função era assessorar a família enlutada e prestar toda assistência ao funeral.
Era dele o projeto de doação de caixão de defunto popular ao pobre, desempregado e aposentado de baixa renda.
Todo mundo o procurava quando morria um amigo, um vizinho ou um parente pobre. Por isso, ficou cognominado de “O homem do atestado de óbito”. Sua simples presença denunciava que a morte rondava por perto.
Muita gente dizia que ele cheirava defunto. Dessa forma, Ticão tornou-se um homem desprezado por muitos, e passou a viver alheio a festas. De certa forma, alheio ao mundo. Sua vida resumia-se em cuidar de velórios e limpar as catacumbas, organizar a documentação de cada morto... Ele sabia tudo sobre cada um: a causa da morte, os parentes, o número de seu túmulo, enfim sabia, tintim por tintim, da vida à morte de cada corpo ali sepultado.
Não dava bola para o falatório que dizia que ele era o tutor da morte, o homem das mil faces do além; O “sombra” da morte. Enfim, havia muito comentário envolvendo o seu nome. Mas ele não se incomodava. No dia de finados era muito solicitado para indicar aonde estava à catacumba do fulano, do sicrano, e sentia-se feliz com esse serviço. De vez em quando ele dizia, brincando, para um e outro:
- Você vai ser o próximo! Respeite-me para que eu possa cuidar do seu túmulo com carinho.
Muitos respondiam:
- Sai de mim sombra da morte!... Vai gorar outro! Deus que me livre!
Certo dia, depois de uma longa jornada de trabalho, Ticão havia acabado de chegar do cemitério, após lidar com defuntos e sacudiu a terra sagrada dos pés. Deitou-se no divã e tirou um cochilo... De repente, acordou assustado, de cabelo em pé, e sua mãe, vendo-o desfigurado, disse-lhe:
- Ticão, o que foi? Parece que viu um fantasma!
Restabelecido, ele respondeu:
- Mãe, eu tenho que voltar ao cemitério. Corrinha veio no meu sonho e me disse que está vivinha da silva... Que sofreu uma catalepsia. Ela não está morta! Ela está viva!!!
Sua mãe, assustada, disse-lhe:
- Credo Ticão, não brinque com essas coisas, não! De tanto lidar com essa gente morta, você está ficando louco. Já ta vendo coisa. Eu, hein! Eu a vi mortinha... Passei a noite toda velando o seu corpo. Aquela alma partiu dessa para melhor. Pode ter certeza disso.
Mas, Ticão, retirando-se da sala, resolveu seguir a sua intuição e foi de imediato ao cemitério para conferir... Ao chegar lá, Desenterrou a mulher do padeiro, seu amigo, Caqui, que estava sob efeito de calmantes... Constatou o milagre da vida, e levou um tremendo susto.
O padeiro era apaixonadíssimo por sua esposa. E havia dito no velório que sua vida não tinha mais sentido. Sem ela tudo era nada. O mundo perdera a graça. Que iria se suicidar.
Ticão, apesar de ser destemido, ficou embaraçado com aquela situação. O coração da mulher batia acelerado... Ela estava viva... E, ele pensava: “E agora, o que vou fazer?! A mulher ta viva!... Meu Deus!!! Nunca me aconteceu um caso desses... Ajude-me, conduza-me, Senhor!”
Não pensou duas vezes... Tirou a mulher dali, fechou o caixão e o enterrou novamente. Levou-a para sua casa... Entrou nas pontas dos pés para não chamar a atenção de ninguém. Deitou aquela bela mulher na sua cama e respirou aliviado. Flertou um pouquinho medindo aquele corpinho esguio de cima a baixo, e pensou: “Que desperdício... Uma coisa linda dessa ia servir de adubo. A morte tinha feito um estrago no meu coração...”.
Ao chegar na cozinha para tomar um pouco d’água, sua mãe, desesperada, disse-lhe:
- Aonde você estava meu filho? Todo mundo está lhe procurando feito doido. Já veio um montão de gente atrás de você. Aconteceu uma desgraça na cidade!
Ticão, que já não se assustava com mais nada, disse à sua mãe que se acalmasse. Ele já havia visto tanta coisa ruim na vida, que nada mais o surpreenderia. Então, sua mãe, disse-lhe:
- Sente-se para não cair! O padeiro deu cabo à própria vida! Deu um tiro no peito que varou do outro lado... Morreu na hora. Deixou um bilhete dizendo: “Ninguém me condene. Fiz isso por amor. Eu amo Corrinha!!! Sem ela, eu não tenha por que viver. Eu sei que vou estar bem do seu lado...”.
Ticão levou as mãos à cabeça e disse:
- Meu Deus, que idiota! Suicidou-se à toa.
Seu irmão, que estava de pé arrumando o cabelo de frente para o espelho, disse de supetão: “Se perdesse uma “gata” daquela, também me mataria!”
Ticão adentrou o seu quarto e viu a bela ex-defunta dormindo como uma anja. Pensou num estalo: “Agora é viúva e vou cuidar de você com amor e carinho.”
Ninguém nunca soube, mas, ela era a sua paixão secreta; seu amor platônico. Com o suicídio do marido, o caminho agora estava livre. Era uma questão de oportunidade e tempo.
Ao virar as costas para deixar o quarto, ele ouvira resmungando:
- Onde estou? O que aconteceu comigo? Que coisa! Parece que estou moída, um bagaço, no pó da bagaceira... Que preguiça!
Ticão, ao ouvir aquela voz doce, virou-se de repente e disse:
- Oi, tudo bem? Que sono profundo! Dormia como um anjo.
Ela, ao reconhecê-lo, tomou um susto danado, arregalou os olhos e disse:
- O que estou fazendo aqui? Eu morri? Diga-me, por favor?!
Ele ficou sem graça e lhe disse baixinho:
- Tenha calma, você sofreu um desmaio, mas já está tudo bem.
Ela insistiu com aqueles lindos olhos azuis, e disse:
- Pelo amor de Deus! Não me diga que aconteceu uma desgraça? Cadê meu lindinho? Chame-o agora!... Por favor, Tição?!... Onde está o amor da minha vida?
Ele coçou a cabeça sem saber o que fazer e nem como falar, respirou profundamente, e disse:
- Corrinha, você está na minha casa, dentro do meu quarto, deitada na minha cama... Ao mesmo tempo aconteceu um milagre e uma desgraça.
Contou-lhe como ela veio parar ali e o motivo do suicídio do seu amado. Ela começou a chorar desesperadamente, e saiu com ele rumo à sua casa.
Por onde passavam as pessoas se assustavam e foi um tremendo corre-corre... Uma grande confusão. Do meio da multidão, enfurecida e medrosa, ouvia-se a voz de João Grilo que dizia:
- Mas, ela não morreu?! Valha meu Deus!!! É um fantasma!
Nas ruas, pedestres trombavam-se; os carros colidiam-se; foi uma loucura... Gritos de “socorro!” ecoavam pelos quatro cantos da cidade.
Mas o pior ainda estava por vir... Quando ela se aproximou de sua residência, que estava lotada, muita gente chorando e lamentando a morte do padeiro.... O povo, ao vê-la, saiu correndo, gritando e desmaiando... Ticão não sabia o que fazer. O povo ficou doido e corria para todo o lugar desordenadamente.
Até o caudilho da cidade, que tinha fama de homem valente, ao vê-la, saiu em disparada como uma mula sem cabeça, gritando:
- Valha meu Santo Expedito! O que é isso!... Tem piedade de mim!
Restaram somente a ex-defunta, o padeiro dentro do caixão gélido e desconfortável e o Ticão, que tratou de velar o amigo e a chorar consternado – fato inédito – ao lado da viúva. Aos poucos alguns corajosos chegaram para se despedirem do amigo morto também.
Entre um cafezinho e uma prosa, a história da ressurreição de Corrinha foi se esclarecendo... Sua catalepsia foi sendo explicada, comentada e compreendida por um e outro. Aos poucos a notícia foi chegando aos ouvidos da população, que passou a entender o que era isso, que era possível tal acontecimento, apesar de ser fato raro. O povo certificou realmente que ela não era um fantasma como se pensava e temia.
Ticão tomou todas as providências para o sepultamento do amigo padeiro... Ficou atento às palavras da viúva, que, lia em alta voz o bilhete do suicida, na hora do adeus final... E, desesperadamente, gritava:
- Eu te amo, meu amor! Vá com Deus!
Passado algum tempo, Ticão pediu a sua mão em casamento, que, sem pestanejar aceitou... Tiveram filhos e filhas e eles viveram uma vida normal, modesta e feliz.
“Ticão é meu amigo e essa história tem uma “pitadinha” de verdade e ficção também...”
O autor.
Era dele o projeto de doação de caixão de defunto popular ao pobre, desempregado e aposentado de baixa renda.
Todo mundo o procurava quando morria um amigo, um vizinho ou um parente pobre. Por isso, ficou cognominado de “O homem do atestado de óbito”. Sua simples presença denunciava que a morte rondava por perto.
Muita gente dizia que ele cheirava defunto. Dessa forma, Ticão tornou-se um homem desprezado por muitos, e passou a viver alheio a festas. De certa forma, alheio ao mundo. Sua vida resumia-se em cuidar de velórios e limpar as catacumbas, organizar a documentação de cada morto... Ele sabia tudo sobre cada um: a causa da morte, os parentes, o número de seu túmulo, enfim sabia, tintim por tintim, da vida à morte de cada corpo ali sepultado.
Não dava bola para o falatório que dizia que ele era o tutor da morte, o homem das mil faces do além; O “sombra” da morte. Enfim, havia muito comentário envolvendo o seu nome. Mas ele não se incomodava. No dia de finados era muito solicitado para indicar aonde estava à catacumba do fulano, do sicrano, e sentia-se feliz com esse serviço. De vez em quando ele dizia, brincando, para um e outro:
- Você vai ser o próximo! Respeite-me para que eu possa cuidar do seu túmulo com carinho.
Muitos respondiam:
- Sai de mim sombra da morte!... Vai gorar outro! Deus que me livre!
Certo dia, depois de uma longa jornada de trabalho, Ticão havia acabado de chegar do cemitério, após lidar com defuntos e sacudiu a terra sagrada dos pés. Deitou-se no divã e tirou um cochilo... De repente, acordou assustado, de cabelo em pé, e sua mãe, vendo-o desfigurado, disse-lhe:
- Ticão, o que foi? Parece que viu um fantasma!
Restabelecido, ele respondeu:
- Mãe, eu tenho que voltar ao cemitério. Corrinha veio no meu sonho e me disse que está vivinha da silva... Que sofreu uma catalepsia. Ela não está morta! Ela está viva!!!
Sua mãe, assustada, disse-lhe:
- Credo Ticão, não brinque com essas coisas, não! De tanto lidar com essa gente morta, você está ficando louco. Já ta vendo coisa. Eu, hein! Eu a vi mortinha... Passei a noite toda velando o seu corpo. Aquela alma partiu dessa para melhor. Pode ter certeza disso.
Mas, Ticão, retirando-se da sala, resolveu seguir a sua intuição e foi de imediato ao cemitério para conferir... Ao chegar lá, Desenterrou a mulher do padeiro, seu amigo, Caqui, que estava sob efeito de calmantes... Constatou o milagre da vida, e levou um tremendo susto.
O padeiro era apaixonadíssimo por sua esposa. E havia dito no velório que sua vida não tinha mais sentido. Sem ela tudo era nada. O mundo perdera a graça. Que iria se suicidar.
Ticão, apesar de ser destemido, ficou embaraçado com aquela situação. O coração da mulher batia acelerado... Ela estava viva... E, ele pensava: “E agora, o que vou fazer?! A mulher ta viva!... Meu Deus!!! Nunca me aconteceu um caso desses... Ajude-me, conduza-me, Senhor!”
Não pensou duas vezes... Tirou a mulher dali, fechou o caixão e o enterrou novamente. Levou-a para sua casa... Entrou nas pontas dos pés para não chamar a atenção de ninguém. Deitou aquela bela mulher na sua cama e respirou aliviado. Flertou um pouquinho medindo aquele corpinho esguio de cima a baixo, e pensou: “Que desperdício... Uma coisa linda dessa ia servir de adubo. A morte tinha feito um estrago no meu coração...”.
Ao chegar na cozinha para tomar um pouco d’água, sua mãe, desesperada, disse-lhe:
- Aonde você estava meu filho? Todo mundo está lhe procurando feito doido. Já veio um montão de gente atrás de você. Aconteceu uma desgraça na cidade!
Ticão, que já não se assustava com mais nada, disse à sua mãe que se acalmasse. Ele já havia visto tanta coisa ruim na vida, que nada mais o surpreenderia. Então, sua mãe, disse-lhe:
- Sente-se para não cair! O padeiro deu cabo à própria vida! Deu um tiro no peito que varou do outro lado... Morreu na hora. Deixou um bilhete dizendo: “Ninguém me condene. Fiz isso por amor. Eu amo Corrinha!!! Sem ela, eu não tenha por que viver. Eu sei que vou estar bem do seu lado...”.
Ticão levou as mãos à cabeça e disse:
- Meu Deus, que idiota! Suicidou-se à toa.
Seu irmão, que estava de pé arrumando o cabelo de frente para o espelho, disse de supetão: “Se perdesse uma “gata” daquela, também me mataria!”
Ticão adentrou o seu quarto e viu a bela ex-defunta dormindo como uma anja. Pensou num estalo: “Agora é viúva e vou cuidar de você com amor e carinho.”
Ninguém nunca soube, mas, ela era a sua paixão secreta; seu amor platônico. Com o suicídio do marido, o caminho agora estava livre. Era uma questão de oportunidade e tempo.
Ao virar as costas para deixar o quarto, ele ouvira resmungando:
- Onde estou? O que aconteceu comigo? Que coisa! Parece que estou moída, um bagaço, no pó da bagaceira... Que preguiça!
Ticão, ao ouvir aquela voz doce, virou-se de repente e disse:
- Oi, tudo bem? Que sono profundo! Dormia como um anjo.
Ela, ao reconhecê-lo, tomou um susto danado, arregalou os olhos e disse:
- O que estou fazendo aqui? Eu morri? Diga-me, por favor?!
Ele ficou sem graça e lhe disse baixinho:
- Tenha calma, você sofreu um desmaio, mas já está tudo bem.
Ela insistiu com aqueles lindos olhos azuis, e disse:
- Pelo amor de Deus! Não me diga que aconteceu uma desgraça? Cadê meu lindinho? Chame-o agora!... Por favor, Tição?!... Onde está o amor da minha vida?
Ele coçou a cabeça sem saber o que fazer e nem como falar, respirou profundamente, e disse:
- Corrinha, você está na minha casa, dentro do meu quarto, deitada na minha cama... Ao mesmo tempo aconteceu um milagre e uma desgraça.
Contou-lhe como ela veio parar ali e o motivo do suicídio do seu amado. Ela começou a chorar desesperadamente, e saiu com ele rumo à sua casa.
Por onde passavam as pessoas se assustavam e foi um tremendo corre-corre... Uma grande confusão. Do meio da multidão, enfurecida e medrosa, ouvia-se a voz de João Grilo que dizia:
- Mas, ela não morreu?! Valha meu Deus!!! É um fantasma!
Nas ruas, pedestres trombavam-se; os carros colidiam-se; foi uma loucura... Gritos de “socorro!” ecoavam pelos quatro cantos da cidade.
Mas o pior ainda estava por vir... Quando ela se aproximou de sua residência, que estava lotada, muita gente chorando e lamentando a morte do padeiro.... O povo, ao vê-la, saiu correndo, gritando e desmaiando... Ticão não sabia o que fazer. O povo ficou doido e corria para todo o lugar desordenadamente.
Até o caudilho da cidade, que tinha fama de homem valente, ao vê-la, saiu em disparada como uma mula sem cabeça, gritando:
- Valha meu Santo Expedito! O que é isso!... Tem piedade de mim!
Restaram somente a ex-defunta, o padeiro dentro do caixão gélido e desconfortável e o Ticão, que tratou de velar o amigo e a chorar consternado – fato inédito – ao lado da viúva. Aos poucos alguns corajosos chegaram para se despedirem do amigo morto também.
Entre um cafezinho e uma prosa, a história da ressurreição de Corrinha foi se esclarecendo... Sua catalepsia foi sendo explicada, comentada e compreendida por um e outro. Aos poucos a notícia foi chegando aos ouvidos da população, que passou a entender o que era isso, que era possível tal acontecimento, apesar de ser fato raro. O povo certificou realmente que ela não era um fantasma como se pensava e temia.
Ticão tomou todas as providências para o sepultamento do amigo padeiro... Ficou atento às palavras da viúva, que, lia em alta voz o bilhete do suicida, na hora do adeus final... E, desesperadamente, gritava:
- Eu te amo, meu amor! Vá com Deus!
Passado algum tempo, Ticão pediu a sua mão em casamento, que, sem pestanejar aceitou... Tiveram filhos e filhas e eles viveram uma vida normal, modesta e feliz.
“Ticão é meu amigo e essa história tem uma “pitadinha” de verdade e ficção também...”
O autor.
Professor Osmar Fernandes, em 01/08/2009; Código do texto: T1731293
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. |
Praga de mãe: Professor Osmar Fernandes Em 03/03/2009 Código do texto: T1466448
Praga de mãe
Seu Osmundo trabalhava no sítio como meeiro. Naquela segunda-feira, fria, do mês de junho, às cinco da matina, já com as tralhas na mão, disse à sua esposa, Josefa:
- Mulher, hoje tô com desejo de "cumê" uma galinhada com arroz, bem gostosa! Amanheci com essa vontade tola, besta. Se não for dá muito trabalho, escolha a galinha mais bonita do terreiro e faça aquela boia.
Dizendo assim, partiu pra roça.
Dona Josefa foi ao terreiro, e escolheu a melhor galinha, a mais gorda e bonita, e muito feliz foi realizar o gosto do seu homem. Fez uma galinha com arroz de dar água na boca de qualquer um.
Na roça se almoça cedo. A “boia" é saboreada por volta das nove ou dez horas da manhã.
Dona Josefa chamou o filho Akira, e o mandou levar a marmita ao pai. O menino, com ela na mão, subiu o morro. Seu Osmundo estava lá no topo plantando... Já morto de fome.
O cheiro do tempero daquela comidinha caseira, quentinha, fez o garoto de dezesseis anos, parar no meio do caminho, e comer toda a carne com voracidade e gula, deixando os ossos da galinha misturados com o arroz.
Notando de longe o filho se aproximar, o matuto ficou feliz, e, mesmo ainda distante, já sentia o cheiro gostoso do coentro, da salsa – da mão santa de sua velha e adorável senhora. Sua barriga roncando, denunciava muita fome. A marmita saborosa chegou e o deixou mais faminto.
Ao entregar a marmita para o pai, o moleque, meio desconfiado, ficou de lado, arredio, e, o matuto ao abri-la, levou um susto, e disse:
- O que é isso? Sua mãe tá doida?! Me mandou sobra de comida?
Akira, assustado, avermelhou-se, e, de repente, disse:
- Não sei não, pai...
O filho, vendo a aflição do pai, que era bravo, de repente, sem pensar, falou:
- Olha pai, a mãe estava estranha hoje, muito afobada. Gritou comigo e pediu para eu vir logo, querendo se vê livre de mim, e ainda disse para eu não voltar tão cedo. Daí eu vi, lá debaixo das mangueiras, um fulano mal encarado. Ele não me viu, mas eu o vi. Não sei quem é, só pude ver que é homem feito. Vi ele entrando em casa com a minha mãe.
O velho trabalhador ficou maluco, irado. Jogou sua marmita com ódio no chão, cuspiu fogo, deu uma escarrada no mundo... Deu um empurrão no menino, pegou sua foice e partiu aos gritos pelo caminho, dizendo:
- Vou matar essa vaca. Não sou homem de levar “chifre”, não sou touro! Não sou jumento! Nem mula sem cabeça! Nem burro eu sou!!! Não me casei para ser corno!!! Essa desavergonhada me paga!
A coisa ficou azeviche. A cada passo o homem imaginava sua mulher deitada, fornicando com um ou outro sujeito. Não se conformava. Tinha tanta confiança nela.
Perguntava-se enfurecido: “Por quê? O que é que eu fiz de errado, meu Deus? Será que eu atirei pedra na cruz? Isto não é um casamento... É um cagamento.”
Bateu várias vezes na sua cara, dizendo:
- Homem que é homem tem que ter vergonha na cara! Essa vagabunda me paga!!!
De repente, ele olhou para trás e gritou:
- Vem moleque! Corre! Hoje você vai ver como um homem deve agir com uma vaca, vagabunda, que trai o seu homem. Mulher que desrespeita o marido merece morrer. Vem!
Ao chegar em casa, foi entrando e, gritando, pegou a mulher pelos cabelos longos e negros – e sem lhe dar tempo de falar algo – desferiu-lhe um golpe fatal no seu pescoço, e disse:
- Isso é pela sua traição sua vaca imunda! Mulher minha não se deita com outro, e não fica viva para contar a história. Ainda, descaradamente, teve a coragem de me mandar aquele sobejo – o resto... Quem sabe era a sobra do seu amante, né sua peste? Seiscentos mil diabos!!! Onde ele está vagabunda, fala?!
E o homem, cego de ódio, saiu loucamente à procura do suposto amante da esposa.
Dona Josefa, que, antes desta desgraça, estava trabalhando contente, cantarolando, feliz por ter feito o gosto do marido – seu prato predileto – agora agonizava, olhava para o seu filho, na ânsia da morte, pressentiu o mal que ele havia cometido; o falso testemunho que tinha levantado; e já no último suspiro, disse-lhe:
- Meu filho! Meu filho! Por que fez isso comigo? Coração de mãe pressente as coisas. Por esta desgraça, por sua calúnia, seu pai me feriu de morte, estou morrendo por sua culpa. Porém, sua vida será triste, sem luz, e todo o dia de sua vida, na hora da fome, sentirá o maior desejo de comer a minha galinha com arroz. Mas, Infelizmente, vai comer grama... Vai pastar como uma vaca. Você vai pedir perdão inúmeras vezes e se lembrará da inocência de sua mamãezinha; e esta praga nem a morte te libertará. E, balbuciando essas palavras, expirou.
Seu Osmundo catou uma mala velha, colocou algumas peças de roupas e fugiu, virou andarilho. Ninguém nunca soube do seu paradeiro. O seu único filho, o primogênito, sem saber o que fazer, com medo, fugiu também, saiu pelo mundo errante, sem eira nem beira.
Seu Osmundo catou uma mala velha, colocou algumas peças de roupas e fugiu, virou andarilho. Ninguém nunca soube do seu paradeiro. O seu único filho, o primogênito, sem saber o que fazer, com medo, fugiu também, saiu pelo mundo errante, sem eira nem beira.
A família e os vizinhos se encarregaram de fazer o enterro de Dona Josefa. Akira, como Caim, foi fugitivo e vagabundo pela terra... Ele passou a andar de cidade em cidade e, na hora da fome, sentia aquele cheiro gostoso do tempero de sua mãe.
Entretanto, como praga de mãe pega, pastava em terrenos baldios como um animal. Em datas abandonadas, andava de quatro – como um quadrúpede – imitava os gestos de uma vaca, babava ao saborear o capim, o colonião, etc. E, assim passou o resto de sua vida.
Muita gente ficava abismada ao ver um rapaz jovem, bonito, e vegetando daquele jeito. Uma bela menina, rica, vendo-o, gostou dele, e lhe disse o seguinte:
- Moço, por que você pasta como um animal? Isto é repugnante. Venha comigo, meu pai é fazendeiro, arrumo-lhe serviço, um bom salário, e você larga dessa vida desumana e desagradável.
Recomposto, já havia pastado, estava de bucho cheio, sua cor esverdeada, rosto marcante e bem feito, pálido, olhou à moça bonita, uma lágrima rolou de sua face suja de grama mastigada, e respondeu:
- Não, não posso aceitar não! Sou um desgraçado caluniador. Levantei um falso testemunho há três anos atrás. Disse ao meu pai que minha mãe estava com outro homem. Porque eu comi a sua boia, uma galinha com arroz, o prato favorito do meu pai. Fiquei com medo de apanhar, levar uma surra. Ele era muito bravo. Degolou minha mãezinha querida. Estou pagando o meu pecado. É praga de mãe! Nem a morte me salvará. Vou pedir perdão a ela até o último momento de minha vida. Eu procuro a morte, ela foge de mim.
E falando isso, foi saindo de fininho e desapareceu. Naquelas bandas ninguém mais o viu. Por onde passava era motivo de chacota da molecada, que judiava dele jogando pedras, atiçando-lhe o cachorro... E ,assim, foi triste a sua sina.
“Praga de mãe, pega! Logo, cuidado!".
FERNANDES, Osmar Soares, Crisálida: a motivação da vida, Ed. Torre de Papel, 1ª edição; Curitiba/PR, 2003; 1 - Contos brasileiros; 2 – Crônicas brasileiras; 3 – Poesia brasileira (CDD (20º ed.) B869.85; pág. 88.
Professor Osmar Fernandes
Em 03/03/2009
Código do texto: T1466448
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, criar obras derivadas, fazer uso comercial da obra, desde que seja dado crédito ao autor original.
professor de Itu: Professor Osmar Fernandes, em 25/02/2009; Código do texto: T1456089
Tudo começou com o requerimento do professor Bosco, que solicitou aposentadoria por tempo de serviço. Analisado pelo departamento de pessoal, foi deferido pelo chefe imediatamente.
Dessa forma, foi aberta uma vaga na disciplina de História. O diretor da escola, depois de analisar alguns currículos, optou pelo professor Beto, de Itu. Solicitou à secretária que entrasse em contato com ele e o convidasse para uma entrevista.
A notícia espalhou-se rapidamente pelo colégio, ganhando, inclusive, manchete de destaque no jornalzinho dos estudantes. Todo mundo estava curioso. Afinal, a fama de Itu é grande. Do servente ao diretor, não se falava em outra coisa. O assunto corria solto e malicioso de boca a boca.
Dois dias depois, o diretor perguntou à secretária Beth:
- Você já falou com o professor Beto?
— Telefonei e deixei o recado na secretária eletrônica, mas até agora ele não me retornou a ligação.
— Então, tente outra vez.
Beth telefonou novamente para o professor. Dessa vez teve mais sorte e foi atendida por ele:
— Alô, quem fala?
— Aqui é o professor Beto.
— Oi, professor, tudo bem?
— Tudo bem, graças a Deus!
— Aqui é a secretária Beth, da Escola Padrão da cidade de Crocal. Nosso diretor, o senhor Pedro, está lhe convidando para uma entrevista, pois o nosso professor de História se aposentou e estamos precisando urgente de um substituto.
O professor respondeu que iria na segunda-feira. Chegaria às quinze horas. A secretária ficou deslumbrada com o vozeirão do professor. Chegou à sala de reuniões tremendo, tomou um copo d’água e exclamou:
— Nossa!
A professora Dayane espantou-se:
— O que foi, menina?!
— Que voz grossa e linda ele tem!
— Ele, quem?
— O professor de Itu.
A aluna Almerinda, que ouvia tudo, saiu de fininho e foi logo contar a novidade para os colegas. Era intervalo, e no corredor o papo foi um só:
— Gente! Vocês não sabem da maior!!! O professor de Itu chegará à segunda-feira, às quinze horas. A Dona Beth falou com ele no telefone e chegou a passar mal só de ouvi-lo. Se a voz a fez tremer, imaginem como deve ser o resto...
A malícia ganhou corpo pelos corredores. Já havia aluno com ciúmes do professor. As meninas não comentavam outra coisa: “Esse professor deve ser uma loucura... Um tesão!!!”
Pisquila, “a bichinha”, ficou enlouquecida com a notícia. Desmunhecou o tempo todo, fantasiando loucuras com o novo professor. O clima era, no mínimo, estranho para um colégio particular de classe média...
Um colega dele desavisado perguntou-lhe:
— Por que há tanto falatório sobre o novo professor?
— Porque ele é de Itu, meu bem! Uma cidade linda do interior de São Paulo.
— E o que isso tem a ver?
— Você não sabe queridinho? Lá, tudo é grande!
Missada ficou sem entender. Envergonhado, não quis prosseguir o diálogo e saiu discretamente.
A professora Carlota era “viciada” em homem, mas na escola passava a imagem de santa, de virgem adormecida... Chata, moralista, dava lição em qualquer um que se atrevesse a comentar maliciosamente sobre o professor de Itu. Passando pelo corredor, ouviu uma aluna cochichar:
— Esse professor deve ser mesmo um gostosão! Deve ter tudo bem grande, ENOOORME!!!
A professora, por alguns segundos, “viajou na maionese” e imaginou o professor de Itu fazendo “strip-tease” exclusivamente para ela. Em sua fértil imaginação, o homem era um fenômeno sexual, um gigante carnal... Arrepiada, saiu correndo para a sua casa. Chegando lá, foi direto para o banheiro tomar uma ducha fria.
Era segunda-feira, quinze horas. Na frente da escola estava reunido um comitê de recepção. Tinha mais de quinhentas pessoas aguardando a chegada do mais novo e esperado professor do colégio.
De repente, parou um táxi. No banco traseiro estava sentado um passageiro exótico... Todos ficaram pasmados, o espanto foi generalizado. Desceu do carro e disse:
— Boa tarde!
Sorridente e feliz ao ver tanta gente a sua espera, perguntou:
— Quem é o diretor da escola?
O diretor, meio sem graça, respondeu baixinho:
— Sou eu. E o senhor, quem é?
— Sou o professor Beto, de Itu.
Nesse instante, Pisquila, “a bichinha”, de supetão gritou escandalosamente:
— Meu Deus!... Que é isso!!! E desmaiou.
Foi imediatamente socorrido pelos amigos e professores. Não foi nada grave. Socorreram o aluno e as pessoas foram esvaziando o local rapidamente.
O diretor, extasiado, convidou o professor Beto para ir ao seu gabinete. Fez a entrevista e ficou entusiasmado, contratando o novo mestre. Mas, intrigado com o episódio do aluno, o professor Beto perguntou:
— O que houve com aquele garoto?
— Bem... O senhor deve imaginar a reação das pessoas quando se comenta que alguém é de Itu.
O professor discretamente sorriu, não entrou em detalhes e começou a lecionar...
Decorrido seis meses, o professor conquistou o seu espaço na escola. O seu sucesso era reconhecido pelos alunos, pelos pais de alunos, pelos funcionários, pelos demais mestres, e principalmente pelo diretor. Sua sabedoria era descomunal... A Escola Padrão não era mais a mesma. Passou a ser um exemplo de ensino, de conhecimento, de disciplina e respeito na região de Crocal.
No dia 7 de setembro, em frente ao Paço Municipal, estavam reunidas todas as autoridades e todas as escolas da cidade, e o professor de Itu, em seu discurso, disse:
— A grandeza do homem está dentro dele. Temos que DIVIDIR A RESPONSABILIDADE, SUBTRAIR A DESORGANIZAÇÃO, MULTIPLICAR O CONHECIMENTO para podermos vencer os grandes obstáculos da vida... Pequenos ou grandes, o tamanho não importa. O importante mesmo é ser capaz de conquistar o seu próprio sonho, e ser feliz fisicamente como você é. Eu sou ANÃO!... Mas sou um homem realizado. Há muito tempo dizia o sábio pensador:
“NEM TUDO QUE É GRANDE É BOM, MAS TUDO O QUE É BOM É GRANDE”. Obrigado!
Dessa forma, foi aberta uma vaga na disciplina de História. O diretor da escola, depois de analisar alguns currículos, optou pelo professor Beto, de Itu. Solicitou à secretária que entrasse em contato com ele e o convidasse para uma entrevista.
A notícia espalhou-se rapidamente pelo colégio, ganhando, inclusive, manchete de destaque no jornalzinho dos estudantes. Todo mundo estava curioso. Afinal, a fama de Itu é grande. Do servente ao diretor, não se falava em outra coisa. O assunto corria solto e malicioso de boca a boca.
Dois dias depois, o diretor perguntou à secretária Beth:
- Você já falou com o professor Beto?
— Telefonei e deixei o recado na secretária eletrônica, mas até agora ele não me retornou a ligação.
— Então, tente outra vez.
Beth telefonou novamente para o professor. Dessa vez teve mais sorte e foi atendida por ele:
— Alô, quem fala?
— Aqui é o professor Beto.
— Oi, professor, tudo bem?
— Tudo bem, graças a Deus!
— Aqui é a secretária Beth, da Escola Padrão da cidade de Crocal. Nosso diretor, o senhor Pedro, está lhe convidando para uma entrevista, pois o nosso professor de História se aposentou e estamos precisando urgente de um substituto.
O professor respondeu que iria na segunda-feira. Chegaria às quinze horas. A secretária ficou deslumbrada com o vozeirão do professor. Chegou à sala de reuniões tremendo, tomou um copo d’água e exclamou:
— Nossa!
A professora Dayane espantou-se:
— O que foi, menina?!
— Que voz grossa e linda ele tem!
— Ele, quem?
— O professor de Itu.
A aluna Almerinda, que ouvia tudo, saiu de fininho e foi logo contar a novidade para os colegas. Era intervalo, e no corredor o papo foi um só:
— Gente! Vocês não sabem da maior!!! O professor de Itu chegará à segunda-feira, às quinze horas. A Dona Beth falou com ele no telefone e chegou a passar mal só de ouvi-lo. Se a voz a fez tremer, imaginem como deve ser o resto...
A malícia ganhou corpo pelos corredores. Já havia aluno com ciúmes do professor. As meninas não comentavam outra coisa: “Esse professor deve ser uma loucura... Um tesão!!!”
Pisquila, “a bichinha”, ficou enlouquecida com a notícia. Desmunhecou o tempo todo, fantasiando loucuras com o novo professor. O clima era, no mínimo, estranho para um colégio particular de classe média...
Um colega dele desavisado perguntou-lhe:
— Por que há tanto falatório sobre o novo professor?
— Porque ele é de Itu, meu bem! Uma cidade linda do interior de São Paulo.
— E o que isso tem a ver?
— Você não sabe queridinho? Lá, tudo é grande!
Missada ficou sem entender. Envergonhado, não quis prosseguir o diálogo e saiu discretamente.
A professora Carlota era “viciada” em homem, mas na escola passava a imagem de santa, de virgem adormecida... Chata, moralista, dava lição em qualquer um que se atrevesse a comentar maliciosamente sobre o professor de Itu. Passando pelo corredor, ouviu uma aluna cochichar:
— Esse professor deve ser mesmo um gostosão! Deve ter tudo bem grande, ENOOORME!!!
A professora, por alguns segundos, “viajou na maionese” e imaginou o professor de Itu fazendo “strip-tease” exclusivamente para ela. Em sua fértil imaginação, o homem era um fenômeno sexual, um gigante carnal... Arrepiada, saiu correndo para a sua casa. Chegando lá, foi direto para o banheiro tomar uma ducha fria.
Era segunda-feira, quinze horas. Na frente da escola estava reunido um comitê de recepção. Tinha mais de quinhentas pessoas aguardando a chegada do mais novo e esperado professor do colégio.
De repente, parou um táxi. No banco traseiro estava sentado um passageiro exótico... Todos ficaram pasmados, o espanto foi generalizado. Desceu do carro e disse:
— Boa tarde!
Sorridente e feliz ao ver tanta gente a sua espera, perguntou:
— Quem é o diretor da escola?
O diretor, meio sem graça, respondeu baixinho:
— Sou eu. E o senhor, quem é?
— Sou o professor Beto, de Itu.
Nesse instante, Pisquila, “a bichinha”, de supetão gritou escandalosamente:
— Meu Deus!... Que é isso!!! E desmaiou.
Foi imediatamente socorrido pelos amigos e professores. Não foi nada grave. Socorreram o aluno e as pessoas foram esvaziando o local rapidamente.
O diretor, extasiado, convidou o professor Beto para ir ao seu gabinete. Fez a entrevista e ficou entusiasmado, contratando o novo mestre. Mas, intrigado com o episódio do aluno, o professor Beto perguntou:
— O que houve com aquele garoto?
— Bem... O senhor deve imaginar a reação das pessoas quando se comenta que alguém é de Itu.
O professor discretamente sorriu, não entrou em detalhes e começou a lecionar...
Decorrido seis meses, o professor conquistou o seu espaço na escola. O seu sucesso era reconhecido pelos alunos, pelos pais de alunos, pelos funcionários, pelos demais mestres, e principalmente pelo diretor. Sua sabedoria era descomunal... A Escola Padrão não era mais a mesma. Passou a ser um exemplo de ensino, de conhecimento, de disciplina e respeito na região de Crocal.
No dia 7 de setembro, em frente ao Paço Municipal, estavam reunidas todas as autoridades e todas as escolas da cidade, e o professor de Itu, em seu discurso, disse:
— A grandeza do homem está dentro dele. Temos que DIVIDIR A RESPONSABILIDADE, SUBTRAIR A DESORGANIZAÇÃO, MULTIPLICAR O CONHECIMENTO para podermos vencer os grandes obstáculos da vida... Pequenos ou grandes, o tamanho não importa. O importante mesmo é ser capaz de conquistar o seu próprio sonho, e ser feliz fisicamente como você é. Eu sou ANÃO!... Mas sou um homem realizado. Há muito tempo dizia o sábio pensador:
“NEM TUDO QUE É GRANDE É BOM, MAS TUDO O QUE É BOM É GRANDE”. Obrigado!
Professor Osmar Fernandes, em 25/02/2009; Código do texto: T1456089
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, criar obras derivadas, fazer uso comercial da obra, desde que seja dado crédito ao autor original. |
O Repórter de São Pedro: Professor Osmar Fernandes, Em 24/02/2009; Código do texto: T1454633
O Repórter de São Pedro
Não perdia um velório. Era figurinha carimbada em todos daquela região metropolitana. Entusiasmado pelo clima fúnebre, anotava todo o acontecimento em sua caderneta. Sujeito excêntrico, sem amigos; gostava do que fazia. Chamava a atenção pelo seu trejeito e pelo traje que usava: uma túnica de cor branca, um cinto de pano vermelho amarrado em sua cintura e calçando uma alpargata desgastada e marrom.
Seu Leleco, que já o tinha visto em vários velórios, intrigado, aproximou-se, e, no pé do seu ouvido, perguntou:
- O senhor é parente do defunto?
O homem lhe respondeu, indiferente:
- Não é da sua conta!
Seu Leleco, irritado, então, disse:
- O senhor é muito mal-educado! Só estou lhe perguntando por que já o vi em muitos velórios. Sempre vestido desse jeito, esquisito, com esse livrinho relatando não sei o quê; e com esses gestos inquietantes... Desse jeito o senhor incomoda todo o mundo. Chama mais atenção que o defunto. O senhor por acaso é policial, agente funeral ou agente de seguro?
O homem, franzindo a testa, respondeu imediatamente:
- Não sou nem uma coisa, nem outra.
Seu Leleco insistiu e perguntou:
- Ah! Então o senhor é amigo, do peito, do Pedro, não é?
O excêntrico lhe respondeu na bucha:
- Do Pedro sim, mas, do defunto não.
Seu Leleco ficou com a resposta engasgada e, irado e meio confuso, persistiu:
- Como assim? Se o Pedro é o defunto e o senhor não é nem parente, nem amigo, então o que faz aqui?
Dessa vez, em tom menos agressivo, o homem de alpargata desgastada, respondeu:
- Não sou nem parente, nem amigo, nem nunca o vi nem mais gordo, nem mais magro em toda a minha vida. Estou aqui a serviço do céu.
Seu Leleco espantado com as respostas do excêntrico, dessa vez quase foi a nocaute, e, encabruado que era, respirou forte, impostou a fala e disse:
- O senhor está delirando. A serviço do céu?! O senhor quer dizer que não é deste mundo?!
O homem de branco percebendo sua gafe, meio desnorteado, fitou-o, e disse:
- Não! Quer dizer, sim!... Já fui há muito tempo atrás. Hoje não pertenço mais a este mundo pecador, violento e desalmado.
De cabelos em pé, parecendo um espantalho, e com “a pulga atrás da orelha”, seu Leleco, trêmulo, mastigando a voz, falou:
- Então quer dizer que o senhor já viveu aqui, morreu, e agora é um espírito. Por isso, faz essas anotações. Pra quem? Por quê?
O homem enfurecido, respondeu:
- Sim! Quer dizer, não!... É isso mesmo! Já vivi aqui, morri, e agora sou o Repórter de São Pedro. Tenho que anotar todo o acontecimento da história do falecido. Desde o seu nascimento ao último instante de vida. Às causas da morte, às lamentações, etc. Tudo o que parecer interessante, curioso ou triste. Tenho que levar o relatório para o secretário de São Pedro, antes que a alma do morto abandone o seu corpo.
Seu Leleco, assustado, e já desconfiado dessa conversa, lhe indagou:
- O senhor está com lorota comigo, está blefando, só pode! Isto é brincadeira de mal gosto. É coisa impossível! Nunca ouvi ninguém dizer nada igual antes. Morto não volta pra contar histórias, nem fazer relatórios... Isso é uma piada mal contada. Nem na Bíblia Sagrada li nada igual. Esse é o maior absurdo que já ouvi em toda a minha vida. Fale que é mentira, pelo amor de Deus?!
O repórter de São Pedro, enfaticamente, respondeu:
- Quem vê demais, ouve demais, nunca mais dorme em paz. Não estou brincando! O senhor está vendo o que realmente é.
Seu Leleco que era manco, angustiado, balançou a cabeça desaprovando aquelas palavras, e replicou dizendo:
- O senhor é muito estranho, não fala coisa com coisa. Se não quer chamar a atenção, venha vestido como todo mundo; seja um de nós, um igual. O diferente atrai naturalmente a curiosidade. Ainda mais em se tratando de um velório... Com uma conversa dessa sem sentido, dizer que é Repórter de São Pedro e que a alma... Que besteira! Que loucura! Nem sei por que estou emprestando os meus ouvidos a tanta asneira.
O repórter de São Pedro, disse:
Já dizia o profeta: “Virá o Senhor daquele servo num dia em que não o espera, e à hora em que ele não sabe.” (MT.24:50). Por isso, estou relatando a despedida do morto e revelando a reação de cada um aqui, inclusive a sua. Ser ou não ser diferente não é o caso. O caso é tão somente transmitir o acontecimento para a minha agenda e endereçá-la para o meu superior. Nunca gostei de "aparecer" quando era vivo nem mesmo nas comemorações dos meus aniversários. Afirmo que, somente o senhor está me vendo. Não sei o porquê, mas só o senhor pode me ver.
Engasgando-se nas próprias salivas, seu Leleco arregalando seus olhos negros, surpreso, indagou-o:
- Puxa! Então o senhor é um anjo do céu mesmo? É aquele que veio buscar a alma do morto?!
O repórter de São Pedro, respirou, e disse:
- Não. Ainda não conquistei esse poder tão miraculoso. Quando olho ao páramo e o vejo tão lindo, entendo o poder de Deus. Estou trabalhando para que um dia eu possa alcançar esse objetivo. Estou numa dimensão divina ainda inferior a isso... Mas desejo a purificação total. Fiz boas obras aqui na terra. Mas, adentrar a porta do céu é muito difícil, ela é muito estreita. Entrar na fila já é uma benção, ser escolhido, é quase impossível... Depende muito da alma de cada um. "Cada um vai colher o que plantou na terra."
Nesse momento seu Leleco silenciou-se... E sua consciência lhe confidenciou: “Este homem não é doido. É um sábio ou um profeta, ou um santo; mas, doido não é.” E perguntou:
- Tira-me uma dúvida: como São Pedro pode ter o relatório de todos os defuntos do mundo? Afinal, são milhares por dia, não é? Morremos de tantas formas: de doenças, de fatalidades, de balas perdidas; e de tantas guerras: a da fome, a da frustração, a da ignorância, a do tráfico de drogas, a do trânsito e a de guerras de nação contra nação, enfim, são tantas formas de morrer por dia, como enumerá-las, registrá-las?
O repórter lhe respondeu, dizendo:
- O senhor tem toda a razão, não sou doido. Faço parte da O.N.E.C. – Organização Não Espiritual do Céu. Sou um voluntário a serviço de São Pedro. Todo voluntário, seja na terra ou no céu é bem visto aos olhos de Deus. Por isso, em cada velório, chovem candidatos. Para cada morto disputam no mínimo sete candidatos e mais um instrutor e dois ajudantes. Um anjo só vem fazer este serviço quando se trata de um espírito superior... Quando o caso é especialíssimo.
Seu Leleco, curioso que era, perguntou:
- Mas, o que o voluntário e o morto ganham com isso?
O repórter, enfaticamente, respondeu:
- Cada um ganha o que merece. O voluntário recebe uma espécie de bonificação dos pecados. O morto, através deste dossiê que é uma espécie de folha corrida, ganhará ou não uma senha para entrar na fila da porta do céu.
Seu Leleco enrugou a testa e disse:
- Mas, além do homem “bater as botas” ainda vai ter que passar por essa peneira. Coitado! O senhor não acha que todo o pobre deveria ir direto para o céu sem passar por esse vexame?
O repórter entendendo a simplicidade e a ignorância do seu Leleco, disse:
- Cada alma será julgada de acordo com o que semeou na terra. Afirmo para o senhor que felizes são aqueles que têm a chance de irem para a fila de São Pedro. Muitos desejam isso, mas, poucos conseguem entrar na fila. Somente os escolhidos a dedo conquistam esse direito. Nesse caso, não conta a questão financeira, política, bens materiais, etc. O que conta é o que foi o coração da pessoa, bom ou mal.
Seu Leleco, de supetão, perguntou ao repórter:
- O senhor lê o pensamento de todo mundo?
O homem do além, meio encabulado, pego de surpresa respondeu:
- Não. Nem sempre. Faço isso somente quando tenho a permissão do meu superior.
Aproveitando a oportunidade seu Leleco perguntou:
- Dói morrer ou a passagem dói muito mais?
O repórter de São Pedro disse categoricamente:
- Dói muito. Mas, triste mesmo é assistir ao sofrimento dos que ficam perfilados na rua do inferno, chorando, clamando perdão tardiamente... Essa é a pior dor, é dor infinita. A passagem é como uma viagem virtual, como um passeio... Ao despertar, vai conhecer a sua fila. "Ali começa o céu ou o inferno."
Seu Leleco impressionado com essa resposta pensou: "Vou procurar uma igreja hoje mesmo. Vou buscar a palavra de Deus para ser a minha luz, o meu guia e minha salvação; antes que seja tarde demais.
O repórter de São Pedro terminando o seu trabalho disse para o seu Leleco:
- "O corpo morto ficará no esquecimento. Na sepultura não terá momento. Não fará mais obras, nem indústrias, nem ciência, nem coisa alguma, porque não será mais existência. Tornar-se-á pó... Sua sorte estará lançada. Sua alma é que será julgada conforme sua atitude durante toda a sua vida. Que os vivos sejam inteligentes, porque é melhor ser um cão vivo do que um leão morto."
E, falando isso, desapareceu.
Seu Leleco, que já o tinha visto em vários velórios, intrigado, aproximou-se, e, no pé do seu ouvido, perguntou:
- O senhor é parente do defunto?
O homem lhe respondeu, indiferente:
- Não é da sua conta!
Seu Leleco, irritado, então, disse:
- O senhor é muito mal-educado! Só estou lhe perguntando por que já o vi em muitos velórios. Sempre vestido desse jeito, esquisito, com esse livrinho relatando não sei o quê; e com esses gestos inquietantes... Desse jeito o senhor incomoda todo o mundo. Chama mais atenção que o defunto. O senhor por acaso é policial, agente funeral ou agente de seguro?
O homem, franzindo a testa, respondeu imediatamente:
- Não sou nem uma coisa, nem outra.
Seu Leleco insistiu e perguntou:
- Ah! Então o senhor é amigo, do peito, do Pedro, não é?
O excêntrico lhe respondeu na bucha:
- Do Pedro sim, mas, do defunto não.
Seu Leleco ficou com a resposta engasgada e, irado e meio confuso, persistiu:
- Como assim? Se o Pedro é o defunto e o senhor não é nem parente, nem amigo, então o que faz aqui?
Dessa vez, em tom menos agressivo, o homem de alpargata desgastada, respondeu:
- Não sou nem parente, nem amigo, nem nunca o vi nem mais gordo, nem mais magro em toda a minha vida. Estou aqui a serviço do céu.
Seu Leleco espantado com as respostas do excêntrico, dessa vez quase foi a nocaute, e, encabruado que era, respirou forte, impostou a fala e disse:
- O senhor está delirando. A serviço do céu?! O senhor quer dizer que não é deste mundo?!
O homem de branco percebendo sua gafe, meio desnorteado, fitou-o, e disse:
- Não! Quer dizer, sim!... Já fui há muito tempo atrás. Hoje não pertenço mais a este mundo pecador, violento e desalmado.
De cabelos em pé, parecendo um espantalho, e com “a pulga atrás da orelha”, seu Leleco, trêmulo, mastigando a voz, falou:
- Então quer dizer que o senhor já viveu aqui, morreu, e agora é um espírito. Por isso, faz essas anotações. Pra quem? Por quê?
O homem enfurecido, respondeu:
- Sim! Quer dizer, não!... É isso mesmo! Já vivi aqui, morri, e agora sou o Repórter de São Pedro. Tenho que anotar todo o acontecimento da história do falecido. Desde o seu nascimento ao último instante de vida. Às causas da morte, às lamentações, etc. Tudo o que parecer interessante, curioso ou triste. Tenho que levar o relatório para o secretário de São Pedro, antes que a alma do morto abandone o seu corpo.
Seu Leleco, assustado, e já desconfiado dessa conversa, lhe indagou:
- O senhor está com lorota comigo, está blefando, só pode! Isto é brincadeira de mal gosto. É coisa impossível! Nunca ouvi ninguém dizer nada igual antes. Morto não volta pra contar histórias, nem fazer relatórios... Isso é uma piada mal contada. Nem na Bíblia Sagrada li nada igual. Esse é o maior absurdo que já ouvi em toda a minha vida. Fale que é mentira, pelo amor de Deus?!
O repórter de São Pedro, enfaticamente, respondeu:
- Quem vê demais, ouve demais, nunca mais dorme em paz. Não estou brincando! O senhor está vendo o que realmente é.
Seu Leleco que era manco, angustiado, balançou a cabeça desaprovando aquelas palavras, e replicou dizendo:
- O senhor é muito estranho, não fala coisa com coisa. Se não quer chamar a atenção, venha vestido como todo mundo; seja um de nós, um igual. O diferente atrai naturalmente a curiosidade. Ainda mais em se tratando de um velório... Com uma conversa dessa sem sentido, dizer que é Repórter de São Pedro e que a alma... Que besteira! Que loucura! Nem sei por que estou emprestando os meus ouvidos a tanta asneira.
O repórter de São Pedro, disse:
Já dizia o profeta: “Virá o Senhor daquele servo num dia em que não o espera, e à hora em que ele não sabe.” (MT.24:50). Por isso, estou relatando a despedida do morto e revelando a reação de cada um aqui, inclusive a sua. Ser ou não ser diferente não é o caso. O caso é tão somente transmitir o acontecimento para a minha agenda e endereçá-la para o meu superior. Nunca gostei de "aparecer" quando era vivo nem mesmo nas comemorações dos meus aniversários. Afirmo que, somente o senhor está me vendo. Não sei o porquê, mas só o senhor pode me ver.
Engasgando-se nas próprias salivas, seu Leleco arregalando seus olhos negros, surpreso, indagou-o:
- Puxa! Então o senhor é um anjo do céu mesmo? É aquele que veio buscar a alma do morto?!
O repórter de São Pedro, respirou, e disse:
- Não. Ainda não conquistei esse poder tão miraculoso. Quando olho ao páramo e o vejo tão lindo, entendo o poder de Deus. Estou trabalhando para que um dia eu possa alcançar esse objetivo. Estou numa dimensão divina ainda inferior a isso... Mas desejo a purificação total. Fiz boas obras aqui na terra. Mas, adentrar a porta do céu é muito difícil, ela é muito estreita. Entrar na fila já é uma benção, ser escolhido, é quase impossível... Depende muito da alma de cada um. "Cada um vai colher o que plantou na terra."
Nesse momento seu Leleco silenciou-se... E sua consciência lhe confidenciou: “Este homem não é doido. É um sábio ou um profeta, ou um santo; mas, doido não é.” E perguntou:
- Tira-me uma dúvida: como São Pedro pode ter o relatório de todos os defuntos do mundo? Afinal, são milhares por dia, não é? Morremos de tantas formas: de doenças, de fatalidades, de balas perdidas; e de tantas guerras: a da fome, a da frustração, a da ignorância, a do tráfico de drogas, a do trânsito e a de guerras de nação contra nação, enfim, são tantas formas de morrer por dia, como enumerá-las, registrá-las?
O repórter lhe respondeu, dizendo:
- O senhor tem toda a razão, não sou doido. Faço parte da O.N.E.C. – Organização Não Espiritual do Céu. Sou um voluntário a serviço de São Pedro. Todo voluntário, seja na terra ou no céu é bem visto aos olhos de Deus. Por isso, em cada velório, chovem candidatos. Para cada morto disputam no mínimo sete candidatos e mais um instrutor e dois ajudantes. Um anjo só vem fazer este serviço quando se trata de um espírito superior... Quando o caso é especialíssimo.
Seu Leleco, curioso que era, perguntou:
- Mas, o que o voluntário e o morto ganham com isso?
O repórter, enfaticamente, respondeu:
- Cada um ganha o que merece. O voluntário recebe uma espécie de bonificação dos pecados. O morto, através deste dossiê que é uma espécie de folha corrida, ganhará ou não uma senha para entrar na fila da porta do céu.
Seu Leleco enrugou a testa e disse:
- Mas, além do homem “bater as botas” ainda vai ter que passar por essa peneira. Coitado! O senhor não acha que todo o pobre deveria ir direto para o céu sem passar por esse vexame?
O repórter entendendo a simplicidade e a ignorância do seu Leleco, disse:
- Cada alma será julgada de acordo com o que semeou na terra. Afirmo para o senhor que felizes são aqueles que têm a chance de irem para a fila de São Pedro. Muitos desejam isso, mas, poucos conseguem entrar na fila. Somente os escolhidos a dedo conquistam esse direito. Nesse caso, não conta a questão financeira, política, bens materiais, etc. O que conta é o que foi o coração da pessoa, bom ou mal.
Seu Leleco, de supetão, perguntou ao repórter:
- O senhor lê o pensamento de todo mundo?
O homem do além, meio encabulado, pego de surpresa respondeu:
- Não. Nem sempre. Faço isso somente quando tenho a permissão do meu superior.
Aproveitando a oportunidade seu Leleco perguntou:
- Dói morrer ou a passagem dói muito mais?
O repórter de São Pedro disse categoricamente:
- Dói muito. Mas, triste mesmo é assistir ao sofrimento dos que ficam perfilados na rua do inferno, chorando, clamando perdão tardiamente... Essa é a pior dor, é dor infinita. A passagem é como uma viagem virtual, como um passeio... Ao despertar, vai conhecer a sua fila. "Ali começa o céu ou o inferno."
Seu Leleco impressionado com essa resposta pensou: "Vou procurar uma igreja hoje mesmo. Vou buscar a palavra de Deus para ser a minha luz, o meu guia e minha salvação; antes que seja tarde demais.
O repórter de São Pedro terminando o seu trabalho disse para o seu Leleco:
- "O corpo morto ficará no esquecimento. Na sepultura não terá momento. Não fará mais obras, nem indústrias, nem ciência, nem coisa alguma, porque não será mais existência. Tornar-se-á pó... Sua sorte estará lançada. Sua alma é que será julgada conforme sua atitude durante toda a sua vida. Que os vivos sejam inteligentes, porque é melhor ser um cão vivo do que um leão morto."
E, falando isso, desapareceu.
Professor Osmar Fernandes, em 24/02/2009; Código do texto: T1454633
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